Prática da forma subjetiva: cuidado e/ou descuido
Marx sempre
soube cuidar de seus próprios assuntos até que teve a crise que ele relata na
“Carta Ao Pai”. Ali ele descobriu que o seu materialismo estava aquém do
idealismo de Hegel, aquele filósofo antipático que ele tinha pretendido
destruir com seu materialismo expresso em “Cleanthes ou o Ponto de Partida e a
Necessária Continuação da Filosofia” (ver em http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCAP4Port.htm#_ftnref10) Aceitou esta sua inferioridade e se
tornou discípulo de Hegel para suprir sua inferioridade com a superioridade do
sistema de Hegel. Ele se viu então numa situação similar à de um artesão que
descobre não poder sobreviver com seu artesanato e que se vê obrigado a
trabalhar como assalariado na manufatura ou na indústria. Percebeu que não
poderia cuidar de seus próprios assuntos com um materialismo artesanal e que o
único acesso, na Alemanha, a um materialismo manufatureiro ou industrial com o
qual pudesse tratar de seus próprios assuntos era através do sistema do
idealismo de Hegel. Dentro do sistema idealista de Hegel era possível encontrar
toda a potência, a luz e o conhecimento da capacidade manufatureira e
industrial do materialismo francês e inglês, quer dizer, era possível encontrar
a consciência das capacidades
manufatureira e industrial francesas e inglesas. Ele percebeu assim que essa
consciência do materialismo francês e inglês era a única realidade alemã com
acesso verdadeiro, quer dizer, com equivalência e à altura das capacidades
manufatureira e industrial da França e da Inglaterra e isso apesar de essa ser
uma consciência idealista dessas capacidades materialistas. Então, como
consequência do seu acesso ao materialismo francês e inglês exclusivamente pela
consciência sistêmica do idealismo hegeliano passou a lutar para que essa
consciência idealista se realizasse efetivamente, quer dizer, se tornasse
consciência do ser ou sujeito material e social dessa capacidade manufatureira
e industrial. Noutras palavras, lutou para que o hegelianismo se realizando efetivamente
como prática mundana trouxesse à tona e desenvolvesse o materialismo
manufatureiro e industrial na realidade alemã.
Marx que, até
então, sempre soube cuidar de seus próprios assuntos, permaneceu desenvolvendo
essa capacidade de cuidar de seus próprios assuntos ao se tornar discípulo de
Hegel para, realizando o sistema de Hegel, ter acesso aos materialismos francês
e inglês e ultrapassar seu superado materialismo alemão.
Certamente
que a Alemanha permaneceu tendo esse tipo de contradição entre a consciência
idealista alemã, que está em sintonia com a consciência e o ser materialista da
França e da Inglaterra, e a consciência materialista alemã, que está superada e
em relação anacrônica com a consciência e o ser materialista da França e da
Inglaterra, simplificando: na realidade alemã apenas a consciência idealista
tinha uma relação de contemporaneidade e sintonia com o materialismo francês e
inglês, já a consciência e o ser materialistas da realidade alemã tinham uma
relação anacrônica e superada com o materialismo francês e inglês. Então,
curiosamente, o materialista hegeliano Marx combatia o materialismo
não-hegeliano alemão, quer dizer, o materialismo artesanal, autônomo e nativo
por ser anacrônico. Na principal obra dessa época, “Introdução à Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel”, onde defende a realização efetiva da filosofia
de Hegel, ele expressa esse materialismo alemão
como sendo o da Economia Nacional que se desenvolve por meio dos Monopólios,
enquanto que o materialismo inglês e francês é o da Economia Política que se
desenvolve combatendo os Monopólios. Noutra obra publicada junto com esta,
“Questão Judaica”, ele defende o direito do judeu à emancipação política e
critica a posição materialista teológica de Bauer que defende um Estado
Nacional Alemão com o seu Monopólio Cristão ou, no caso, de se emancipar do
cristianismo, com seu Monopólio Ateu. Ele considera um absurdo que a
emancipação política do judeu só seja possível, segundo Bauer, num Estado
Judaico, o qual, segundo o mesmo Bauer, é uma quimera, portanto, para Bauer, o
judeu não tem nenhum direito à emancipação política, exceto se tornando
cristão, já que o Estado Nacional Alemão é cristão ou então apenas quando o
Estado Nacional Alemão se tornar ateu e os judeus e os cristãos se tornarem
igualmente ateus, ou seja, segundo Bauer, o Estado é teológico, seja de um
teísmo, seja de um ateísmo, portanto, a emancipação política para todos só será
possível quando todos forem ateus, quer dizer, apenas humanos, ainda que sejam
primeiro alemães e depois humanos. Ora, este materialismo teológico monopolista
de Bauer é para Marx um materialismo que não concebe a emancipação política e
que a confunde com a emancipação humana, aliás, é precisamente esta confusão,
aquela que foi posta em prática no século XX, como sendo a emancipação proposta
por Marx, quando, na verdade, ela é própria do materialismo não-hegeliano
alemão e deste materialismo alemão dos discípulos anti-hegelianos ou que acusam
Hegel de traição. Portanto, na Alemanha, já existe uma luta entre os judeus,
Kant (em especial, com sua “Resposta à Questão: O Que É Esclarecimento? ”) e
Hegel, com sua adoção e defesa de Spinoza, por um lado; e, os pangermanistas,
pelo outro lado, antecedendo aquilo que vai se configurar na Alemanha nazista.
Marx sempre
soube cuidar de seus próprios assuntos até que teve a crise que ele relata na
“Carta Ao Pai” que o levou a tematizar o cuidado dos próprios assuntos na tese
de doutorado “Diferenças entre as filosofias da Natureza de Demócrito e de
Epicuro”, a qual, ao mesmo tempo, já era o cuidado todo especial com o assunto
Jenny von Westphalen e com o pai dela, Ludwig von Westphalen, a quem dedica a
tese. O leitor vê o cuidado todo especial com o assunto Jenny nessa passagem do
prefácio: “(...) Gassendi, que libertou Epicuro do ostracismo a que tinha sido
votado pelos padres da Igreja e por toda a Idade Média, a época do
irracionalismo, só apresenta em toda sua exposição este aspecto interessante.
Procura conciliar sua fé católica com a ciência pagã, Epicuro com a Igreja, o
que é certamente tempo perdido. É como se se quisesse vestir o corpo esplêndido
e florescente de uma Lais grega com
o hábito de uma freira cristã. Em vez de nos ensinar algo sobre a filosofia de
Epicuro, é dele que Gassendi toma lições de filosofia.” (ver em http://docslide.com.br/documents/3-as-filosofias-da-natureza-em-democrito-e-epicuro.html). Jenny é certamente mais do que uma
Lais grega para Marx, quanto ao pai
toda a dedicatória é explícita declaração de “amor filial” que se torna
perfeita quando vem de um verdadeiro genro para seu querido sogro. Porém, é
noutra passagem do prefácio que Marx traz à tona o tema do saber cuidar dos seus
próprios assuntos (hoje, um leitor de Foucault não hesitaria em dizer que a
temática trazida à tona aí por Marx é a do “cuidado de si”):
“Se
acrescentei em apêndice uma crítica da polêmica de Plutarco contra a teologia
de Epicuro, foi porque esta polêmica não constitui um fenômeno isolado; é, pelo
contrário, um bom exemplo do que a mentalidade teologizante pode fazer à
filosofia.
“Entre outras
coisas, não nos preocupamos com a falsidade genérica do ponto de vista de
Plutarco, quando arrasta a filosofia para o tribunal da religião a fim de a
julgar. Tudo que dissermos sobre isto pode ser substituído pela seguinte
passagem de David Hume: ‘É certamente uma injúria obrigar a filosofia, cuja
autoridade soberana deveria ser reconhecida em todo lado, a defender a sua
causa sempre que se não aceitam as consequências que origina ou a justificar-se
perante toda a arte ou ciência que possa chocar. É como se acusássemos um rei
de ter atraiçoado os seus próprios interesses. ’” (Ver em http://docslide.com.br/documents/3-as-filosofias-da-natureza-em-democrito-e-epicuro.html).
Marx já tinha
encontrado na mentalidade teologizante de Plutarco o modelo da mentalidade
teologizante de Bauer. E, para ele, a realidade alemã era o materialismo da
anacrônica Idade Média. Porém, aqui o principal é “o rei que seria acusado de
alta traição a respeito de seus próprios assuntos” (tradução da versão
francesa). E esta situação na Grécia Antiga é expressa em dois mitos
representados em duas tragédias, “Édipo Rei” e “Prometeu Acorrentado”.
Em “Édipo
Rei” vemos o rei submetido a julgamento pelo tribunal da religião e o que mais
surpreende é que a forma subjetiva do Rei Édipo seja inteiramente
isenta de responsabilidade consciente
dos crimes de parricídio e de incesto que comete, quer dizer, o que mais
surpreende é que o Rei Édipo não tem consciência
de si e quando a adquire descobre que sua forma subjetiva é
basicamente inconsciente de si.
Já em
“Prometeu Acorrentado” vemos Prometeu, que significa “aquele que sabe com
antecipação”, logo, que é a autoridade
filosófica
soberana, quer dizer, aquele cuja forma subjetiva é a consciência que possui, sendo
acorrentado, torturado e lançado no abismo até às profundezas da terra, nos
surpreender por assumir que agiu deliberadamente contra os desejos de Zeus, a
quem acusa de ser um tirano que vai causar sua própria ruína por agir de forma irresponsável e sem cuidado nos seus próprios assuntos. O que nos surpreende é que o sujeito que está sendo martirizado ao
extremo não só nos diga que é vítima de uma injustiça, porém, mais ainda, nos
fale como quem julga, condena e derruba seu algoz, quer dizer, como quem
profetiza e determina o futuro de seu algoz. Que sujeito é esse com tamanha consciência
do futuro? Que forma subjetiva é essa
que mostra ter plena consciência de si
e que tão categoricamente afirma que seu algoz, Zeus e/ou o tribunal da
religião, é a forma subjetiva do que
é inconsciente de si?!
Ora, na tese
veremos os dois filósofos atomistas gregos encarnarem duas formas subjetivas
antagônicas. Uma forma subjetiva é o inconsciente de si e a outra forma subjetiva é a
consciência de si. Além dessas formas subjetivas encarnarem as
diferenças entre os sistemas
filosóficos de Kant, com seu saber limitado devido à coisa em si incognoscível,
e de Hegel, com seu saber absoluto devido ao desenvolvimento da consciência de
si, elas encarnam o momento da passagem da consciência para a consciência de
si. Hegel, na “Fenomenologia do Espírito”, configura o último momento da figura
da consciência, antes de começar a figura da consciência de si, como “Força e entendimento;
Fenômeno e mundo suprassensível” (ver em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2289), onde o objeto desaparece, como que
dissolvido, enquanto força e fenômeno da percepção sensível e começa a ser
entendimento e mundo suprassensível da ideia [na verdade, nesse capítulo da
“Fenomenologia”, a descrição do objeto é ora
força e entendimento da percepção sensível e ora entendimento e mundo suprassensível da ideia, ora aparência/fantasma e ora subjetividade/imaginação, é o objeto
que pisca, quer dizer, cintila ou é e não é nesse momento,
determinado como o último da consciência antes de iniciar o momento da
consciência de si] nesse sentido, ele se torna perfeitamente concebível como
átomos e vazio, que são os princípios comuns dos dois filósofos gregos
Demócrito e Epicuro. Porém, dependendo de como é feita a passagem deste último
momento da figura da consciência, do que é ora força e fenômeno e ora
entendimento e mundo suprassensível, quer dizer, da figura dos átomos e do
vazio, para a figura da consciência de si se terá por resultado a forma subjetiva do sistema de Demócrito
que é o inconsciente de si ou o eterno retorno dos átomos e do vazio ou
se terá por resultado a forma subjetiva
do sistema de Epicuro que é a ciência
da consciência de si ou a dissolução
dos átomos e do vazio.
Marx sempre
soube cuidar de seus próprios assuntos e na sua tese sobre Demócrito e Epicuro
fica claro que ele soube cuidar de si mesmo de forma prometeica e/ou
epicurista, isto é, soube cuidar de si mesmo como terapeuta psicanalítico
prometeico e não como paciente psicanalítico edipiano, ou seja, foi
“psicanalista avant la lettre”.
Marx sempre soube cuidar de seus próprios
assuntos e, por isso, também foi um filósofo que, tal qual Foucault, destacou a
filosofia como a prática do “cuidado de si”?!
Para Marx a
prática da filosofia é a prática da emancipação/libertação
humana, quer dizer, do cuidado de si
e da autoajuda?!
Revolução
teórica de Karl Marx: A forma subjetiva da ciência de si
A revolução
teórica de Karl Marx se inicia muito cedo, mas é na dissertação “Diferenças
entre as filosofias da natureza de Demócrito e de Epicuro” (ver em http://docslide.com.br/documents/3-as-filosofias-da-natureza-em-democrito-e-epicuro.html e ver também a “Carta Ao Pai” que se
relaciona com a elaboração teórica e histórica de Marx: http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCAP4Port.htm#_ftnref10) que ela pode ser vista como o
anúncio e a concepção completa da revolução teórica e histórica de um novo
sistema prático. Essa é mais uma das tentativas de apreensão dessa novidade
teórica e histórica desta nova prática. Muito importante, a meu ver, porque sem
a apreensão teórica e histórica dessa novidade não há nenhuma nova prática. Ainda que pareça pobre,
este é um texto que, a meu ver, consegue chegar na novidade da revolução
teórica e histórica de Marx, que é indicar o caminho para efetivar a riqueza
duma nova prática, então, pode ser que consiga vir a percorrer o caminho
indicado e deixar de parecer pobre.
No primeiro capítulo, da “Primeira
Parte: Diferença de um ponto de vista genérico entre as filosofias da natureza
em Demócrito e Epicuro” de sua tese de doutorado sobre as “Diferenças entre as
filosofias da Natureza de Demócrito e de Epicuro”, Marx delimita o seu “Objeto
da dissertação” como sendo “a forma subjetiva, o suporte espiritual dos
sistemas filosóficos”, porque, “até agora”, “justamente” este “objeto” “foi
quase que totalmente esquecido em proveito das determinações metafísicas destes
sistemas”.
No segundo capítulo, “Opiniões sobre
a relação existente entre a física de Demócrito e a de Epicuro”, após levantar
uma massa de opiniões desfavoráveis a Epicuro desde a Antiguidade até à
Modernidade ele conclui observando que “todos concordam num ponto: Epicuro foi
buscar sua física em Demócrito”, quase como se todos dissessem que Epicuro
roubou/tomou sua física de Demócrito.
No terceiro capítulo, “Dificuldade de
identificação da filosofia da natureza de Demócrito com a de Epicuro”, ele faz
um levantamento das posições diferentes de cada um deles no que se refere ao
puro saber da razão, à prática do saber da razão e à faculdade de julgar do
saber da razão ou de “relacionar o pensamento com a realidade em geral”.
Para Demócrito, o puro saber da razão
é incerto porque o fenômeno é um fantasma, que parece objetivo, mas é subjetivo,
e porque a essência é uma realidade objetiva da qual só temos uma ideia porque
ela é incognoscível por se encontrar no fundo do poço inacessível. Para
Epicuro, o puro saber da razão é certo porque o fenômeno é objetivo, logo, é
uma realidade objetiva que percebemos sensivelmente e a essência é subjetiva,
logo, é uma realidade subjetiva da qual temos um conhecimento que é
imediatamente acessível e completamente concebido dentro de nós.
Para Demócrito, a prática do saber da
razão não pode ser sobre a essência da realidade objetiva porque ela é inacessível
e incognoscível, logo, a prática se lança sobre o fenômeno que parece objetivo
e é, na verdade, subjetivo, só porque ele é acessível e, por isso, cognoscível.
Para Epicuro, a prática do saber da razão pode ser sobre a essência da
realidade subjetiva porque ela é acessível e cognoscível, logo, a prática se
fixa na elaboração da essência que é subjetiva, já que o fenômeno é objetivo,
logo, já elaborado e também é objetivável, quer dizer, elaborável pela essência
subjetiva.
Para Demócrito, a faculdade de julgar
do saber da razão ou de relacionar o pensamento do incognoscível com a
realidade em geral do fenômeno cognoscível é o determinismo, quer dizer, é a
necessidade, é a prisão. Para Epicuro, a faculdade de julgar do saber da razão
ou de relacionar o pensamento cognoscível/concebível com a realidade em geral
do fenômeno objetivável é a possibilidade abstrata, quer dizer, é o acaso, é a
liberdade.
Do quarto capítulo, “Diferença
genérica entre os princípios da natureza de Demócrito e de Epicuro”, só restam
Notas e, dessas, só duas são compostas por textos de Marx, as demais doze se
referem apenas a indicações de passagens extraídas e/ou citadas de obras de
outros autores. Quanto ao quinto capítulo só restou o título: “Resultado”.
Esses são prejuízos significativos para compreendermos a dissertação de Marx.
As duas Notas escritas pelo próprio Marx são importantíssimas para compreender
o pensamento do próprio Marx e a mais importante, sem dúvida, é a bem extensa
segunda Nota. Nela, há uma passagem onde aparece isso “(...). Nós vemos aqui
por assim dizer seu curriculum vitae reduzido ao essencial, levado à
sua extremidade subjetiva. (...)” e é surpreendente que toda a Nota chegue ao
ponto de antecipar as polêmicas que Marx terá com vários dos jovens hegelianos
a tal ponto que ele fecha a Nota assim: “(...). Quanto a estas direções elas
mesmas, eu explicarei em outro lugar de maneira mais completa a relação entre
elas e a filosofia hegeliana, assim como os diversos momentos históricos nos
quais se apresenta este desenvolvimento. ” Essas obras referentes àqueles adversários
que se relacionam com a filosofia hegeliana nasceram mais tarde sob os títulos
de “A Questão Judaica”, “A Sagrada Família”, “A Ideologia Alemã” (ainda que
esta não tenha sido publicada em vida), “Teses Sobre Feuerbach” (ainda que esta
só tenha sido publicada por Engels muito tempo depois), “Miséria da Filosofia”
(ainda que esta seja da autoria de um francês que conheceu Hegel através de um
alemão que não compreendia quase nada do filósofo). Já as passagens mais
importantes dessa Nota antecipam a leitura que o próprio Marx faz de Hegel e
que, basicamente, aparece sob o título “Introdução à Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel” e também na “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (ainda
que não tenha sido publicada em vida), nos “Manuscritos Econômicos-Filosóficos”
(também inédito em vida) e outros textos inéditos. No entanto, sem qualquer
dúvida, o essencial da “Introdução” está presente e, até mesmo, melhor exposto
nesta Nota. É a Nota mais grávida de
futuro que já li, pelo menos, até agora, e de um futuro que é um curriculum vitae.
Deixemos de lado, por enquanto, esta
Primeira Parte, arruinada pela perda dos seus dois últimos capítulos, e
passemos para a Segunda Parte, “Diferença considerada nos seus pormenores entre
as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro”, na qual o primeiro capítulo
é “A declinação do átomo da linha reta”, então, o próprio título já é a
afirmação de um conceito considerado como estritamente epicurista, porque,
parece piada, mas esse conceito não é encontrado nos poucos textos do próprio
Epicuro que sobreviveram e fazem parte da história. Ele é um conceito que é
encontrado apenas a partir de Lucrécio, o discípulo romano de Epicuro,
contemporâneo de Cícero. O principal aqui é comparar este destaque de um
conceito estritamente epicurista com o primeiro capítulo da primeira parte onde
fica estabelecido que o objeto da dissertação é a forma subjetiva. Porque?
Porque não existe nenhum outro conceito que tão explicitamente expresse a forma subjetiva. A queda do átomo em linha reta no vazio se deve à ação
passiva do vazio que não resiste ao átomo e a repulsão dos átomos entre si se
deve à ação passiva do átomo que resiste a outro(s) átomo(s). A declinação ou o
desvio do átomo da queda em linha reta no vazio, porém, se deve a um passo
ativo do átomo que resiste ao vazio e não resiste a si mesmo, ou seja, se deve
a uma ação oriunda inteiramente do próprio átomo, logo, se deve à forma subjetiva do próprio átomo e não
às formas objetivas do vazio e de um outro átomo.
Se nos esforçamos para estabelecer um
paralelo entre o primeiro capítulo da primeira parte e o da segunda parte,
então precisamos dar continuidade a nosso esforço nos demais capítulos. Porque
esse esforço? Porque os capítulos quatro e cinco, da primeira parte,
desapareceram e não sabemos como eram. Assim, se conseguirmos estabelecer
relações paralelísticas entre os capítulos da primeira e da segunda parte, então,
talvez, consigamos ter uma imaginação mais próxima do que possa ter sido o
conteúdo dos capítulos desaparecidos da primeira parte.
“Opiniões sobre a relação existente
entre a física de Demócrito e a de Epicuro” é o título do segundo capítulo da
primeira parte e “As qualidades do átomo” é o título do segundo capítulo da
segunda parte.
No “Opiniões” a conclusão é:
“Se portanto, segundo Cícero, Epicuro
corrompe a doutrina de Demócrito conservando embora a vontade de a melhorar e
de lhe ver os defeitos, se Plutarco o acusa de inconsequência e de uma
propensão para o erro, indo ao ponto de suspeitar de suas intenções, Leibniz
chega mesmo a negar-lhe capacidade para fazer extratos de Demócrito.
“Mas todos concordam num ponto:
Epicuro foi buscar sua física em Demócrito. ”
Então, a opinião geral sobre a relação de
Epicuro com a doutrina de Demócrito varia da deformação bem-intencionada para a
deformação mal-intencionada até chegar à incapacidade de avaliar o que é
importante nesta doutrina, mas, mesmo assim, a opinião geral é que Epicuro, em
todos os casos, está sempre às voltas com a doutrina de Demócrito.
No capítulo “As qualidades do átomo”
então, segundo a opinião geral, Epicuro vai fazer três coisas com estas
qualidades vai deformar o átomo de forma bem-intencionada, vai deformar o átomo
de forma mal-intencionada e não vai ter capacidade de informar sobre o átomo,
logo, vai desinformar sobre o átomo, ainda que todo o tempo se refira ao átomo.
Epicuro atribui grandeza aos átomos,
mas apenas a da pequenez infinita; atribui forma aos átomos, mas como eles são
infinitamente pequenos as diferenças das formas dos átomos são indetermináveis
mas não infinitas de modo que existe um número determinado e finito de formas
através das quais os átomos se diferenciam, logo, existe um número infinito de
átomos com a mesma forma indeterminável; e, por último, Epicuro atribui peso aos átomos, porque é o peso que determina a queda dos átomos em linha reta no vazio,
mas aí, todos eles caem na mesma
velocidade no vazio de modo que aí não aparecem as diferenças de peso dos átomos, as quais só aparecem quando eles caem uns nos outros, quer dizer,
participam do movimento de repulsão
dos átomos entre si responsável pela formação das composições dos átomos, quer
dizer, de sistema de diferenças de peso dos átomos, mas para passar da queda no vazio de todos na mesma velocidade para a queda
em outro átomo em velocidade diferenciada é preciso um desvio da queda no vazio que resulta na queda em outro átomo, quer dizer, é
preciso um desvio do peso da queda no
vazio, então é preciso que o peso do
átomo afirme esse desvio do átomo da queda em linha reta no vazio, logo, é
preciso que o peso do átomo afirme
sua gravidade substancial, quer dizer, afirme que flutua ou que, por meio de seu peso se desvia, sai, se liberta da queda em linha reta mas, em consequência
disso, cai de encontro a outros
átomos e com eles desenvolve um sistema de repulsão
mútua que constitui as composições
dos átomos do mundo. É muito estranha essa qualidade do peso próprio do átomo de
Epicuro que está em si mesmo e não mais caindo
no vazio, mas que, por isso mesmo, por
estar em si mesmo e se desviar do vazio termina indo ao encontro de outros átomos e, assim, aparecem as
diferenças de peso entre os átomos.
No capítulo “Dificuldade de
identificação da filosofia da natureza de Demócrito com a de Epicuro” vimos, de
um lado, um atomista, impedido de desenvolver a realidade objetiva do atomismo,
porque ela se situa no inacessível e incognoscível, se voltar para desenvolver
a realidade subjetiva do fenômeno, porque ela é acessível e cognoscível; de
outro lado, vimos outro atomista, liberado para desenvolver a realidade
subjetiva do atomismo, porque ela se situa no acessível e cognoscível/concebível,
deixar em paz o desenvolvimento da realidade objetiva porque ela é fenômeno
objetivo à disposição da essência subjetiva. Pois agora, no capítulo
“Átomos-princípios e átomos –elementos”, veremos que o atomista liberado para
desenvolver a realidade subjetiva do atomismo é precisamente aquele que concebe
a diferença entre átomos-princípios e átomos-elementos, a qual, o atomista
impedido de desenvolver a realidade objetiva do atomismo não pode conceber e,
por isso, fica fixado apenas na concepção dos átomos-elementos. Os
átomos-princípios são aqueles perfeitamente concebíveis na realidade subjetiva
do atomismo como existentes exclusivamente no mundo dos átomos e do vazio,
enquanto que os átomos-elementos são aqueles perfeitamente concebíveis na
realidade subjetiva do atomismo como existentes exclusivamente no mundo das
composições de átomos no vazio. Porém, os átomos-princípios são perfeitamente
inconcebíveis na realidade objetiva do atomismo porque aí na realidade objetiva
do atomismo apenas são perfeitamente concebíveis os átomos-elementos da
universal, inacessível e incognoscível realidade objetiva dos átomos e do
vazio.
O quarto capítulo da primeira parte
intitulado “Diferença genérica entre os princípios da natureza em Demócrito e
Epicuro” foi perdido e dele só restaram duas Notas escritas pelo próprio Marx. Delas
destacamos a segunda Nota por surpreender como antecipação do curriculum vitae de Marx, como antecipação da obra e da biografia de Marx,
logo, como antecipação da história do próprio Marx. Curiosamente, o capítulo
quarto da segunda parte é intitulado “O Tempo” e nele ficamos a par de que o
tempo não existe no mundo dos átomos, logo, só existe no mundo das composições,
quer dizer, no mundo da percepção sensível, então o tempo aparece e se desenvolve
no mundo das composições sensíveis dos átomos, mas igualmente desaparece e se
dissolve no mundo da dissolução das composições sensíveis dos átomos, isto é,
para o atomista Epicuro que concebe a realidade subjetiva do atomismo, quer
dizer, acessível e cognoscível filosoficamente,
mas não para o atomista Demócrito que só concebe a realidade objetiva do
atomismo, quer dizer, inacessível e incognoscível positivamente, porque para ele os átomos e o vazio são a única
realidade objetiva, logo, todo o resto é realidade subjetiva, aparência
subjetiva, quer dizer, todo o resto apenas parece ser composição sensível e
apenas parece temporalidade sensível, mas, na realidade objetiva a única
“composição” são os átomos e o vazio inacessíveis e a única “temporalidade” é a
da eternidade dos átomos e vazio incognoscíveis.
“Resultado” era o último capítulo da
primeira parte e “Os Meteoros” é o último capítulo da segunda parte. Volta a
aparecer aqui algo que apareceu, no capítulo três da primeira parte, como um
aspecto da faculdade de julgar, do saber da razão segura de si, a relação do
pensamento cognoscível/concebível com realidade em geral do fenômeno
objetivável de modo que o desenvolvimento filosófico da
cognoscibilidade/concepção da essência subjetiva conduz à supressão da
realidade em geral do fenômeno objetivo porque essa essência subjetiva se
imprime na realidade em geral como fenômeno objetivável. Ao mesmo tempo que também
volta a aparecer aquilo que lá apareceu como um aspecto da faculdade de julgar,
do saber da razão insegura de si, a relação do pensamento incognoscível com a
realidade em geral do fenômeno cognoscível de modo que o desenvolvimento
positivo da cognoscibilidade/concepção do fenômeno da aparência subjetiva
conduz à concreção da realidade em geral do fenômeno da aparência subjetiva e à
manutenção inalterada/inalterável e eterna da realidade objetiva dos átomos e
do vazio. No entanto, surge algo mais na relação do pensamento
cognoscível/concebível da essência subjetiva com a realidade em geral do
fenômeno objetivo que é a dissolução dos átomos e do vazio no momento de
realização dos meteoros, quer dizer, dos corpos de todo o cosmo, porque aí fica
claro que, no mundo da composição espacial e temporal da percepção sensível,
também se constituiu a consciência de si humana, quer dizer, a essência
subjetiva que se constituía de átomos e vazio passou a se constituir de
essência subjetiva da consciência humana de si, logo, os átomos e o vazio se
dissolveram nessa essência subjetiva que está no ser humano e não nos átomos e
no vazio/porque ela está no ser humano e não nos átomos e no vazio.
Desse modo, Epicuro faz aquilo que as
opiniões desfavoráveis o acusam de fazer, que é deformar de boa-fé, deformar de
modo traiçoeiro e incapacitar de modo ignorante a doutrina de Demócrito. E, ao
mesmo tempo, quer dizer, simultaneamente, ele também faz aquilo que fez
Prometeu ao roubar a centelha do fogo de Zeus e a entregar à humanidade
tornando-a centelha do fogo/iluminismo/esclarecimento do ser humano. Por aí
também aprendemos que se Epicuro foi discípulo da doutrina de Demócrito, então
Prometeu foi discípulo da doutrina de Édipo. Que há em comum na doutrina de
Demócrito e Édipo? A realidade objetiva
é incognoscível e inacessível, quer dizer, ela é a forma subjetiva do inconsciente de si. Portanto, Epicuro e Prometeu partem da mesma doutrina do inconsciente de si de Demócrito e
Édipo, mas a elaboram como realidade
subjetiva acessível e cognoscível, por isso, o resultado é que passam do inconsciente de si para a consciência de si, logo, para o
desenvolvimento de outra forma subjetiva,
a que faz ciência da consciência si.
A forma subjetiva essencial do materialismo de Marx
É importante destacar que Demócrito percebe
os átomos e o vazio por toda parte a tal ponto que considera que as coisas não
resultam da combinação da pluralidade dos átomos e sim que a combinação da
pluralidade dos átomos parece resultar em coisas, logo, tudo que vemos
sensivelmente é fantasmático, é mera aparência subjetiva, mas na realidade
objetiva só existem mesmo os átomos e o vazio, os quais, por sua vez, são
insensíveis, invisíveis e inacessíveis, exceto pela razão. Donde se conclui que
a razão de Demócrito é constituída de átomos e vazio, mas como, para ele, os
átomos e o vazio são a realidade objetiva, então não é mais a razão de
Demócrito que é constituída de átomos e de vazio, mas tudo, até o próprio
Demócrito, é constituído dos insensíveis, invisíveis e inacessíveis átomos e
vazio, os quais só são concebíveis na razão, logo, tudo é razão, tudo é a
concepção da razão, portanto, toda a realidade objetiva é insensível, invisível
e inacessível porque toda ela é pura razão, pura ideia.
Demócrito com
esta percepção da realidade objetiva como a ideia pura, a razão pura se sente
frustrado por estar aprisionado na realidade subjetiva da percepção sensível,
visível e acessível da aparência impura, da matéria impura. E, ainda mais
frustrado, porque está impedido de ser pura ideia, pura razão, pura
objetividade do insensível, invisível e inacessível, além de estar obrigado a
ser impura matéria, impura aparência, impura subjetividade sensível, visível e
acessível. Portanto, ainda que os átomos e o vazio sejam a realidade objetiva
presente na razão de Demócrito ele fica frustrado por não conseguir avançar até
à realidade objetiva dos átomos e do vazio se tornando um com eles, porque está
preso e limitado à realidade subjetiva do mundo da percepção sensível, visível
e acessível, a qual, no entanto, é um campo de concentração na impura matéria,
na impura fantasmalidade. No entanto, como está vivo, quer dizer, como não pode
evitar a sua situação de prisioneiro no campo de concentração da impura
matéria, da impura aparência, da impura realidade subjetiva do mundo da
percepção sensível, visível e acessível ele vai se dedicar a conhecer, mapear e
investigar da maneira mais completa possível toda a positividade sensível,
visível e acessível e vai concluir que ela é efetivamente um campo de
concentração no sentido de ser inteiramente determinada pela “necessidade
relativa que só pode ser deduzida da possibilidade
real, quer dizer, só pode ser um
encadeamento de condições, de causas, de razões etc. que mediatizam esta necessidade.
A possibilidade real é a explicação da necessidade relativa”, do determinismo
do campo de concentração, afinal, se fosse possível se libertar dessa impura
matéria, dessa impura aparência, então seria possível desfrutar da pura
liberdade dos átomos e do vazio, do puro campo da liberdade e do acaso dos
átomos e do vazio. Infelizmente, para Demócrito, não é possível viver na pura
realidade objetiva dos átomos e do vazio, até porque a impura realidade
subjetiva do mundo da percepção sensível está continuamente desviando a atenção
e impedindo que se permaneça continuamente na pura razão dos átomos e do vazio.
Demócrito é
um filósofo que muito a contragosto é conduzido a abandonar o campo da
filosofia, porque está impedido de o desenvolver na medida que não consegue
efetivar a realidade objetiva dos átomos e do vazio, e a se lançar no campo da
positividade, porque se encontra aprisionado na realidade subjetiva do mundo da
percepção sensível, visível e acessível, logo, é só nessa, infelizmente para
ele, que pode desenvolver algo, porque só nela pode efetivar a realidade
subjetiva do mundo da percepção sensível da positividade. Um filósofo da razão
aprisionado na positividade, mas que, por isso mesmo, aplica nela o cálculo, a
medida, o mapeamento, enfim, o máximo possível de razão de modo que, vingativamente, também a aprisiona na
razão, razão na qual ela o impede de livremente viver.
É importante
destacar que a percepção sensível para Epicuro é realidade objetiva que está
por toda parte imediatamente acessível, visível, sensível, mas que os átomos e
o vazio são realidade subjetiva invisível, insensível e inacessível
objetivamente, mas como são realidade subjetiva são logicamente acessíveis,
sensíveis e visíveis subjetivamente, portanto, é perfeitamente possível se
dedicar a eles e conhecê-los abstratamente
na realidade subjetiva da razão. Epicuro se percebe inteiramente livre pela
realidade objetiva do mundo da percepção sensível para pesquisar e elaborar, na
realidade subjetiva do mundo racional, os átomos e o vazio que se encontram na
realidade subjetiva do mundo racional. Aí na realidade subjetiva dos átomos e
do vazio Epicuro pode se dedicar ao desenvolvimento filosófico dos átomos e do
vazio, porque aí eles são a realidade subjetiva das possibilidades abstratas,
quer dizer, livres de “um encadeamento de condições, de causas, de razões etc.
que mediatizem” o acaso do pensamento abstrato dos átomos e do vazio, ao
contrário, aí na realidade subjetiva das possibilidades abstratas dos átomos e
do vazio se constitui um campo da liberdade que como tal é determinado pela
liberdade e não pelo determinismo, é determinado pela possibilidade abstrata
absoluta do acaso/da livre determinação e não pela possibilidade real da
necessidade relativa/da determinação aprisionada/prisioneira. Dispondo dessa
liberdade de desenvolver filosoficamente
os princípios filosóficos dos átomos
e do vazio Epicuro vai desenvolver seus princípios filosóficos atomistas até à
elaboração plena da realidade subjetiva dos átomos e do vazio que é a
dissolução dos átomos e do vazio e a constituição da ciência da consciência de
si. Noutras palavras, por meio da realidade subjetiva dos princípios
filosóficos dos átomos e do vazio Epicuro elaborou o percurso desde os átomos e
o vazio até à realidade objetiva da percepção sensível do cosmo e foi aí que
elaborou a dissolução da realidade subjetiva dos átomos e do vazio na realidade
subjetiva ciente da consciência humana de si. Ou seja, elaborou os seus
princípios filosóficos até alcançar a liberdade da realidade subjetiva da
consciência humana de si de viver na e desfrutar livremente da realidade
objetiva do mundo da percepção sensível. Porque isso? Porque os átomos e o
vazio estão impedidos de se tornar sensíveis, mas a consciência humana de si,
apesar de ser, como os átomos e o vazio, uma realidade subjetiva, não está
impedida se tornar sensível, pelo contrário, efetivamente ela é a exclusiva
realidade subjetiva que se torna sensivelmente ciente de ser consciência humana
de si, ela é a exclusiva realidade subjetiva que se realiza na realidade
objetiva do mundo da percepção sensível como princípio da singularidade
abstrata, logo, ela é o único e exclusivo “átomo” que se realiza no mundo real
e objetivo da percepção sensível ou é a única e exclusiva realidade subjetiva
do “átomo” que se torna realidade objetiva no mundo da percepção sensível.
Isso resume a
tese de Marx sobre os atomistas gregos. E se, mais tarde, ele critica a
consciência de si em defesa do ser da percepção sensível, então é porque
permanece criticando aquela “consciência de si” que só concebe a razão ou a
ideia como o ser real objetivo; noutras palavras, é porque está ciente de si
como ser real objetivo da percepção sensível, portanto, que não pode se
satisfazer em permanecer apenas na consciência de si, apenas no sistema
filosófico idealista, mas precisa realizar o sistema filosófico para efetivar o
ser real e objetivo da percepção sensível de sua consciência de si.
Ele também
faz um outro uso dessas diferenças dos dois atomistas quando trata das
diferenças entre os dois momentos do desenvolvimento do método da economia
política. A escola dos primeiros economistas parte da positividade do
Estado-Nação, da Sociedade Civil estruturada etc. até chegar a simples
determinações abstratas como a divisão do trabalho, o valor de troca etc.,
enquanto que a escola dos economistas sucessores ou dos segundos economistas
parte destas simples determinações abstratas até chegar ao todo estruturado da
Sociedade Civil, do Estado-Nação etc. Noutras palavras, a atividade positiva
tem por resultado chegar às simples determinações abstratas tais quais os
átomos e o vazio, enquanto que a atividade filosófica (especulativa) tem por
resultado chegar a um todo concreto pensado. Portanto, no essencial, não existe
a menor diferença entre a concepção filosófica do Marx da tese de doutorado e
do Marx “dito do corte epistemológico” nem do Marx “ainda mais maduro” o qual
afirma que a sua concepção apenas reproduz no pensamento a realidade objetiva,
apenas reproduz na realidade subjetiva do pensamento a realidade objetiva do
ser sensível.
Mas é essa
reprodução no pensamento do concreto que faz toda a diferença com a produção no
pensamento do abstrato, porque enquanto o pensamento estiver apenas abstraindo
do concreto ou produzindo abstração/razão/ideia permanecerá limitado ao
concreto e à sua abstração. Porém, quando pensamento estiver lidando plenamente
com suas abstrações do concreto, então ele já estará relativamente livre do
concreto para poder desenvolver livremente suas abstrações até à concepção
abstrata do concreto no pensamento, até à sua apreensão plena e livre do
concreto no pensamento.
Boa tarde,
Marli!
Pois é, acreditamos
demasiadamente nas palavras tanto que queremos o silêncio, melhor, a ausência
das palavras, porque se, antes, elas eram falas e emitiam sons, depois, elas se
tornaram imagens/desenhos com a escrita, então queremos a ausência de suas
imagens/desenhos. Mas... como acreditamos demasiadamente nas palavras a ponto
de, em geral, acharmos que somos a expressão delas e não como seria mais lógico
e, talvez, natural considerarmos que elas são expressão do que somos...
Meu pai morreu. Não paro de sentir
isso, mais ainda do que quando ele estava vivo. Viver é morrer a todo instante
e morrer de uma vez por todas é ficar imortal, pelo menos para quem morre a
todo instante, quer dizer, para quem vive. Vida mortal e morte imortal. Na
verdade, quem morre de uma vez por todas não para de morrer, ainda que pare de
viver. Cabelos e unhas demoram muito a morrer por completo. Os ossos então
demoram demasiadamente. Meu pai deixou um bilhete escondido na casa de Boa
Vista, escrito em 2008 ou 2009, ele morreu em 2013 e meu irmão achou o escrito
em 2014. No bilhete ele pedia para ser cremado. E ele foi cremado agora, no fim
de semana passado. Retirei os restos mortais dele do cemitério e levei para o
crematório e na segunda-feira meu irmão foi pegar a urna que agora está aqui em
casa. Eu e meu pai nunca nos resolvemos. Aliás, eu e eu mesmo também nunca nos
resolvemos e nunca nos resolveremos. O nunca nos resolveremos, portanto, não é
só contigo, porque é com a vida, com a morte, com os vivos e com os mortos,
comigo mesmo e com os outros. É minha sina. Será que isso é uma mera herança da
formação portuguesa... a do fado!?... "... ai esta terra ainda vai cumprir
seu ideal... ainda vai tornar-se um imenso Portugal... um império
colonial..."
"Tudo que é sólido
desmancha no ar!" E meu pai quis realizar isso, mas restam as cinzas...
aliás, Demócrito foi mais longe e disse que restam apenas os átomos e o vazio.
Mais do que isso ele considerou que de verdade existem sempre apenas os átomos
e o vazio, todo o resto é mera aparência subjetiva de existência de coisas já
que da combinação da pluralidade dos átomos só surge mesmo a aparência de
existir uma coisa, mas não se mostra, não surge nem aparece a existência real
de uma coisa. Então, vivemos prisioneiros no mundo dos sentidos, que é o da
mera aparência subjetiva da realidade objetiva. Realidade objetiva que é, na
verdade, a pluralidade dos átomos, tanto se combinando quanto se dissociando. É
um pensamento bastante duro esse de Demócrito, mas quando olhamos para essas
dissoluções das coisas sempre vemos restos que continuam em dissolução quase
que infinita e, por isso, podemos imaginar e pensar como Demócrito que, no
fundo, permanecem os átomos infinitamente pequenos no vazio. Esse Demócrito foi
um grande filósofo grego, mas, é possível considerar no mundo moderno, mais
precisamente na Alemanha moderna, que um outro filósofo, Kant, pensava de modo
muito semelhante ao de Demócrito, quando considerava que só temos acesso às
coisas tais quais elas são para nós, logo, só temos acesso à aparência
subjetiva das coisas, mas não temos acesso à realidade objetiva das coisas tais
quais elas são em si mesmas. Só é possível o conhecimento das coisas para si,
que são as coisas para nós, mas não das coisas em si, que são as coisas tais
quais elas são nelas próprias ou na sua realidade objetiva. Este tipo de
conhecimento limitado às coisas para si era o mesmo praticado por Demócrito na
Grécia antiga muito antes de ser praticado por Kant na Alemanha moderna. Ambos
se relacionaram com a coisa em si inacessível e incognoscível, mas que, para
eles, era a realidade efetivamente objetiva, muito mais do que essa que
acessamos e conhecemos sensivelmente. Essa relação era uma relação muito mais
importante e fundamental do que a relação de conhecimento possível das coisas
para nós, porque era uma relação íntima com aquilo que verdadeiramente era a
realidade objetiva para eles, ainda que fosse apenas a realidade objetiva que
eles acreditavam existir. Demócrito dizia que esta realidade objetiva eram os
átomos e o vazio, já Kant dizia que era Deus, a alma imortal e a liberdade. Na
verdade, se pode dizer que Demócrito estava inteiramente de acordo com Kant,
porque, para ele, os átomos e o vazio eram os deuses, os imortais e os seres
absolutamente livres. A ética de Demócrito tal qual a de Kant veio a ser uma
ética do dever, quer dizer, uma ética que se baseia na liberdade do ser imortal
e criador e que, pretendendo agir de acordo com essa crença ao se aplicar no
mundo das coisas para nós, quer dizer, dos seres prisioneiros, mortais e
criados, precisa mostrar a grandeza e altivez de sua crença e agir como se
fosse livre, como se estivesse efetivamente no mundo da coisa tal qual ela é em
si, ou seja, sem quaisquer limites sensíveis. E isso só pode ser efetivado
nesse mundo sensível como prática do dever, como um agir de acordo com o que
deve ser e não de acordo com o que é, porque o mundo que deve
ser real e verdadeiro é o da coisa em si e não esse mundo da coisa tal
qual ela é para nós. Ora, agir tal qual deve ser é agir de
acordo com o dever imposto pela crença no ser livre, imortal e criativo. De
acordo com o dever porque se age num mundo onde o ser livre, imortal e criativo
não é acessível nem cognoscível, mas apenas o ser prisioneiro, mortal e
criatura é acessível e cognoscível neste mundo, então, agir de forma
independente da condição de prisioneiro, da condição de mortal e da condição de
criatura porque é agir de forma que independa das condições deste mundo, mas,
como se permanecesse neste mundo, esta independência das condições dentro das
condições aparece como ação de acordo com o dever da liberdade e não de acordo
com (as condições próprias) do ser da liberdade.
Na Grécia
antiga Demócrito era visto como um campeão nas cinco áreas do conhecimento
filosófico, mas, apesar disso, ele permaneceu insatisfeito com seu conhecimento
filosófico, porque aquilo que podia conhecer era aparência subjetiva e aquilo
que era a realidade objetiva ele não podia conhecer e só podia se limitar a
crer. Precisamente aquilo que era mais importante ele só podia se limitar a
acreditar e a agir de acordo com sua crença, enquanto que aquilo que ele podia
conhecer era limitado a uma aparência subjetiva, logo, também era reduzido a
uma crença no que é sem outra importância exceto ser acessível e cognoscível.
“Le savoir
qu’il tient pour vrai n’a pas de contenu; le savoir qui lui donne son contenu
manque de vérité. Elle a beau être une fable, l’anecdote des anciens est une
fable authentique parce qu’elle décrit le caractere contradictoire de son être:
Démocrite se serait lui-même crevé les yeux, de peur que la lumière sensible
n’obscurcît chez lui l’acuité de l’esprit. C’est le même homme qui, comme dit
Cicéron, avait parcouru la moité du monde. Mais il n’avait pas trouvé ce qu’il
cherchait.”
Esta é
igualmente a descrição do mito ou fábula de Édipo. Então, a anedota era
atribuir a Demócrito a mesma condição atribuída a Édipo. Édipo conseguiu chegar
a descobrir que ele era um parricida e um incestuoso e que realizou tudo isto
de forma inconsciente de si. Descobriu que sua consciência de si era mera
aparência subjetiva e que a sua realidade objetiva era sua inconsciência de si,
mais ainda eram as determinações da vontade inconsciente de si, as quais, por
sua vez, eram as vontades determinadas pelos deuses. Ao se cegar Édipo
abandonava o conhecimento do mundo sensível da aparência subjetiva e se
entregava ao mundo da crença da realidade objetiva. Ele assumia que o
importante não era conhecer com uma consciência aparente e sim crer com um
inconsciente objetivo. Essa entrega de Édipo é a mesma que fez Demócrito,
segundo a anedota dos antigos, mas, além disso, é a mesma que fez Kant ao
estabelecer a diferença entre o conhecimento da razão pura e a crença ou moral,
quer dizer, a prática da razão, de modo que Kant estabeleceu que a razão
prática ou a moral deve dirigir a razão pura ou o conhecimento. Como se sabe
Kant aplicou na filosofia a física de Newton, quer dizer, a mecânica. Ora, como
também se sabe, a física de Demócrito se pretende pura e exclusivamente
mecânica. Como também se sabe, Édipo sempre foi guiado de modo mecânico, logo,
por um sujeito transcendental tal qual concebeu Kant. No entanto, Édipo
descobriu e conheceu seu ser inconsciente investigando de forma empírica
através de testemunhos que confirmaram tudo aquilo que as falas dos Oráculos
anunciaram. Então, este conhecimento adquirido por Édipo através da
investigação não foi um conhecimento direto do próprio Édipo e sim um
conhecimento indireto, logo, que implicava crer nos testemunhos. Porém, ele
tinha conhecimento direto de ter matado um velho e vários membros da sua
comitiva que o atacaram de forma tirânica e arrogante. Também tinha
conhecimento direto de ter casado com a rainha de Tebas, que era mais velha do
que ele e viúva do rei de Tebas, por ter decifrado o enigma da esfinge. Ou
seja, por meio do conhecimento/testemunho das coisas para si ele confirmou as
crenças nos testemunhos dos outros e/ou nos testemunhos indiretos das coisas em
si. Então, ele teve acesso às coisas em si por meio da crença nos outros, logo,
por meio dos outros. Desse modo, as coisas ou a coisa em si é acessível por
meio dos outros, logo, por meio do Outro, o qual, aliás, torna perceptível a
inconsciência de si como inconsciência de ser outro. Essa relação com os outros
e com o Outro revela que é na relação do sujeito com outro sujeito e não com um
objeto que o sujeito desenvolve sua relação subjetiva e intersubjetiva. Noutras
palavras, o conhecimento de si só é possível no desenvolvimento da relação do
sujeito com o sujeito ou com outro sujeito. Logo, é o momento da passagem da
filosofia da Natureza ou da Física para a filosofia da Sociedade ou da
Consciência de Si, que ocorreu, já na época de Demócrito, com o advento dos
sofistas, que agiam como advogados pagos para ensinar seus alunos técnicas de
defesa de suas causas ou opiniões nas assembleias democráticas gregas, e de
Sócrates, que agia como um crítico das causas e opiniões porque se restringia a
buscar a verdade que permanecia ignorada para todos, inclusive para ele próprio
que só sabia que nada sabia. A partir do advento dos sofistas e de Sócrates a
filosofia abandona a temática da Natureza e se entrega ao conhecimento da
Sociedade e/ou da Consciência de Si, logo, também se entrega ao conhecimento
das relações de senhor, mestre, tutor, pai e escravo, discípulo, tutelado,
filho, aliás, é por aí que Hegel descreve a famosa dialética do senhor e do
escravo presente na constituição da Consciência de Si na sua obra Fenomenologia
do Espírito. A Fenomenologia de Hegel vai desta constituição da Consciência de
Si no quarto capítulo até esta Consciência de Si chegar no oitavo e último
capítulo ao Saber Absoluto. É curioso isso em Hegel porque na história da
filosofia grega ele situa a filosofia de Aristóteles como uma filosofia que
chegou ao saber absoluto da filosofia da Grécia antiga. Por outro lado, ele
caracteriza as filosofias pós-aristotélicas como filosofias da Consciência de
Si e estas filosofias da Consciência de Si pós-aristotélicas são as filosofias
epicurista, estoica e cética. É curioso porque a filosofia da Consciência de Si
tinha tido começo na Grécia com os sofistas e, especialmente, com Sócrates e
tinha chegado ao auge ou cume com Aristóteles que conseguiu efetivar o mais consistente
sistema metafísico realizando aquilo que tinha sido apenas projeto em Platão, a
constituição do poder do rei-filósofo, e que, por meio de seu discípulo
Alexandre, se tornou o primeiro Império desenvolvido desde o ocidente até o
oriente. Ora, as novas filosofias gregas da Consciência de Si ocorrem depois de
alcançado o saber absoluto, depois de a filosofia grega ficar completa e ter
chegado ao “término”, como diz Marx no prefácio de sua tese sobre o atomismo
grego, “do que parece ser a sua história objetiva”. Então, os sistemas
epicurista, estoico e cético não são mais sistemas da história objetiva e sim
sistemas da história subjetiva da filosofia grega? Mas, o próprio Marx não se
situa num momento pós-hegeliano, quer dizer, pós-saber absoluto? A sua época
também é a do desenvolvimento de sistemas da consciência de si que sucedem a
história objetiva da filosofia alemã e europeia?
Marx vai se
ater a Epicuro que, como filósofo da Consciência de Si, já caracterizada por
Hegel, parte do atomismo do filósofo da Natureza Demócrito. Epicuro, já situado
no momento da filosofia da Consciência de Si, aceita ser inteiramente razoável
e concebível que tudo se dissolva em átomos e vazio, mas não considera que o
mundo sensível se reduza a uma aparência subjetiva, pelo contrário, considera
que o mundo sensível é uma realidade objetiva e que os átomos e o vazio são uma
realidade subjetiva da realidade objetiva do mundo sensível. Logo, para ele, o
acesso aos átomos e ao vazio é um acesso que se faz pela subjetividade racional,
porque por mais que o mundo sensível se dissolva na pluralidade dos átomos no
vazio ele permanece sendo um mundo diferenciado do mundo dos átomos e do vazio,
de modo que ele não é um mundo que parece, mas não é. Não, o mundo sensível é
acessível e cognoscível tal qual ele é objetivamente, mas, por outro lado, é o
mundo dos átomos e do vazio que só é acessível e cognoscível subjetivamente,
porque por maiores que sejam as dissoluções do mundo sensível nós não vemos os
átomos e o vazio e permanecemos vendo sim o mundo sensível com todas as suas
mudanças dissolventes do sensível, permanecemos vendo restos os mais diversos,
ainda que, na mente, consigamos acessar e conceber a existência dos átomos e do
vazio. Ora, se isso é naturalmente assim, então podemos desenvolver um
conhecimento dos átomos e do vazio na nossa mente, por meio da elaboração
conceitual e/ou da realidade subjetiva dos átomos e do vazio. A atividade de
Epicuro será dedicada a esta elaboração conceitual dos átomos e do vazio, logo,
dedicada a uma elaboração filosófica dos átomos e do vazio. Mais ainda, uma
elaboração que tem acesso e conhecimento plenos dos conceitos que elabora,
portanto, uma elaboração que desfruta direta e imediatamente dos seus
princípios atomistas, os átomos e o vazio. A partir dos conceitos dos átomos e
do vazio Epicuro vem a conceber o mundo dos átomos e do vazio, a passagem do
mundo dos átomos e do vazio por meio das composições dos átomos no vazio que
originam de forma inteiramente inconsciente e acidental o surgimento da composição do espaço no mundo sensível, em seguida,
origina a composição do tempo no
mundo sensível, a qual, por sua vez, é concebida como existindo exclusivamente
durante a existência da composição do espaço
sensível, logo, apenas no mundo
sensível existe o tempo, então, o tempo é exclusivamente sensível, em seguida, com o espaço e o
tempo sensíveis vem a concepção do que Epicuro chama de meteoros e que vai desde aquilo que chamamos de meteorologia até o que conhecemos como cosmologia, então, inclui tanto o clima quanto o cosmo, mas inclui ainda a consciência
humana de si. E é neste último
momento, de realização da elaboração conceitual dos átomos e do vazio desde seu
mundo insensível até o mundo sensível, que ocorre uma revolução no atomismo de Epicuro, porque em toda a filosofia grega
o cosmo aparece como momento de realização eterna da razão, de modo que os
astros são imortais e são os deuses gregos, ou seja, os planetas tinham não só
os nomes dos deuses gregos (e também romanos), mas eram eles mesmos os deuses
gregos (e romanos). Aristóteles atribui a essa eternidade divina dos astros o
retorno da filosofia, das artes, enfim, de todas as criações culturais, porque
estes seres imortais conservam todas essas criações como relíquias que são
suscetíveis de eterno retorno. Demócrito, de maneira similar a
Aristóteles e aos demais gregos que eternizam o cosmo, como o motor imóvel do
eterno retorno das relíquias que são as criações culturais, apenas reduz esse
cosmo eterno ao eterno mundo dos átomos e do vazio. Epicuro neste momento
percebe que se atribuir aos corpos celestes esta eternidade, então o atomismo
passará a ser um, digamos, “cosmismo”,
porque serão os corpos celestes a realização efetiva dos átomos como
pluralidade infinita de corpos celestes no espaço cósmico infinito. Ora, para
que os átomos e o vazio continuem sendo os princípios e os corpos e o vazio
cósmicos não os suprimam e se apropriem de seus princípios atomistas é preciso
que os corpos celestes e o cosmo sejam mortais e se dissolvam por completo em
átomos e vazio. No entanto, Epicuro nota que, se é verdade que todo o mundo
sensível é mortal e redutível aos átomos e ao vazio, então também é verdade que
apenas a consciência humana de si se diferencia, no mundo sensível e redutível
aos átomos e ao vazio, de todos os demais seres sensíveis por se constituir na
capacidade de conceber tudo isto, logo, por se constituir efetivamente na tão
admirada razão da filosofia grega e numa razão que existe num ser humano mortal,
logo, numa razão que é exclusiva do mundo sensível, portanto, ela é a
verdadeira realização efetiva do atomismo no mundo sensível e,
consequentemente, como ela própria, a razão, que é a consciência humana de si,
é tão mortal quanto os demais seres sensíveis, mas também é a realização
efetiva do atomismo no mundo sensível, portanto, ela sintetiza a realização do
atomismo no mundo sensível como mortalidade do atomismo e, desse modo, a
realização efetiva do atomismo é a dissolução do atomismo e a constituição da
consciência humana de si. Epicuro neste momento realiza uma revolução com o seu atomismo de modo que
este atomismo se dissolve quando ele se realiza como a singularidade abstrata
da consciência humana de si e não mais a singularidade abstrata do átomo, logo,
neste momento, é a consciência humana de si que é o conceito do átomo de
Epicuro, que é a realização do conceito de átomo de Epicuro, portanto, é a
consciência humana de si que é o átomo de Epicuro. Portanto, quando realiza o
atomismo, quer dizer, passa do mundo insensível dos átomos para o mundo
sensível dos seres, imediatamente dissolve a ciência do atomismo na ciência da
consciência humana de si, se emancipa do princípio atomista e afirma a libertação
do princípio da consciência humana de si. A partir daí tudo que fizer será por
meio do uso da consciência de si, logo, poderá usar da sabedoria de agir
consciente de si e não mais da forma inconsciente de si de Demócrito, seu
predecessor no atomismo.
É isso.
Agradeço a você por ser esta a primeira vez que consigo fazer um apanhado de
conjunto do meu estudo da tese de Marx.
Até, se tiver
até...
Carlos Eduardo.
Revolução de Epicuro: Prática da
sabedoria e dissolução do atomismo
O fenômeno é aparência subjetiva versus o fenômeno é
realidade objetiva e a essência é realidade objetiva versus a essência é
aparência subjetiva.