A minha liberdade somente começa quando começa também a tua.
Leonardo Boff – IHU On Line - 02/03/2015
Esta veio nas Pérolas de Sérgio Domingues. E eu lembro que já escrevi algumas vezes defendendo a liberdade de cada um que começa com a liberdade do outro. Porém, agora, lendo esta defesa desta mesma ideia me veio à mente uma crítica (logo também uma autocrítica): se o princípio burguês é que "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro", então, "onde começa a liberdade de cada um termina a liberdade de cada outro", logo, onde um é livre o outro não é e onde o outro é livre o um não é. Mas, se "a minha liberdade somente começa quando começa a tua também" aplicado nas condições burguesas significa: no mínimo, concorrência, e, no máximo, luta de classes!!! Certo!? Não?!
A liberdade de cada um, nas condições capitalistas, que começa com a liberdade do outro é chamada de livre-concorrência e corresponde ao dia a dia da competição dos capitalistas entre si. Mas, se a liberdade de cada um que começa com a liberdade do outro nas condições capitalistas não é mais livre-concorrência dos burgueses entre si, com cada um competindo com o outro de modo que sua liberdade termine ou suprima a do outro, então, esta competição ou livre-concorrência entre burgueses se torna luta dos capitalistas com outras classes não-capitalistas, a saber, luta com os proprietários fundiários e com os proprietários de suas próprias forças humanas de trabalho, portanto, se apresenta como luta de classes. A luta de classes com os proprietários fundiários se tornou similar à concorrência entre burgueses depois que a burguesia conquistou o poder que se concentrava nas mãos dos proprietários fundiários. Já a luta de classes com os proprietários de suas próprias forças humanas de trabalho não se suaviza muito facilmente porque estes proprietários de si mesmos tendem a fazer o mesmo que os burgueses fizeram no passado em relação aos fundiários: tomar o poder!!! As suavizações alcançadas com as livre-organização e livre-expressão sindical e partidária, ainda que proporcionem estabilidade economicista e reformista, permanecem tendo em seu seio aquela mesma tendência instável do passado capitalista:tomar o poder das mãos dos capitalistas!!! Então, se a reforma agrária foi a solução encontrada pelos capitalistas para tomar o poder dos fundiários e, ao mesmo tempo, entrar em acordo com eles. Hoje, quando ela é reivindicada pelos donos exclusivos de si mesmos, os capitalistas não a querem porque se encontram muito bem acordados com os fundiários, mas, mesmo assim, admitem que ela possa ser empreendida perifericamente para aliviar tensões e trazer donos exclusivos de si mesmos para o lado dos capitalistas e fundiários. Hoje, uma outra reforma, a urbana, também é admitida, ou seja, assim como quem é sem-terra pode vir a se tornar com terra quem é sem-teto pode vir a se tornar com teto, quer dizer, proprietário de coisas e não mais tão somente de si. Hoje, se admite, inclusive, que os donos de suas próprias forças humanas de trabalho venham a ser donos de meios de produção através das aplicações dos fundos de pensões, quer dizer, através das participações acionárias dos fundos de pensões ou do vir a ser sócios dos capitalistas via fundos de pensões e, assim, participar da co-gestão do capitalismo com os capitalistas. Aquilo que, no entanto, não se admite e nem mesmo se encontra no horizonte dos donos exclusivos de si próprios, os trabalhadores operários, é a socialização dos meios de produção (incluindo aí a terra), ou seja, um outro sistema no qual a atual interdependência dos trabalhadores na atividade de produção em lugar de ser vivida como elos das correntes que os aprisionam na atividade de produção passe a ser vivida como associação dos indivíduos livres que se realizam na atividade de produção, inclusive, reduzindo a jornada e se liberando da atividade de produção. Porém, esta última afirmação da liberdade de uns, os donos exclusivos de si mesmos, implica a negação dos donos de si mesmos e exclusivos dos meios de produção, incluindo a terra, logo, implica a negação da liberdade dos capitalistas e dos fundiários de modo a que a liberdade de cada um como proprietário social comece com o fim da liberdade de cada outro como proprietário particular, donde se conclui que a liberdade de cada um só começa com a liberdade de cada outro quando todos usam da mesma liberdade social, da mesma propriedade social.
Em todo caso, "a minha liberdade somente começa quando começa também a tua" é a minha liberdade num outro sistema social e não a minha liberdade no atual sistema que ao começar "quando começa também a tua" é livre-concorrência ou é luta de classes, mas não é a livre-cooperação nem é a liberdade social da sociedade sem classes. Portanto, é um sonho e uma luta na atualidade contra "a minha liberdade terminar onde começa a liberdade de outro", logo, também é uma luta da "minha liberdade que começa onde a do outro termina", melhor, é uma luta da minha liberdade que começa lutando contra a liberdade do outro porque a liberdade deste outro termina com a minha liberdade, então, talvez, seja o seguinte, na atualidade: "a luta da minha liberdade somente começa quando começa a luta contra a tua liberdade".
A liberdade está aprisionada em condições e não é incondicional, logo, a liberdade é prisioneira e não é livre. Para ser livre não pode ser limitada por condições e, portanto, precisa usufruir do incondicional. Ora, classes são condições, logo, sem classes só pode ser sem condições. De modo que a condição incondicional da liberdade ou a liberdade livre é própria da sociedade sem classes. E sociedade sem classes também é sociedade sem estado e não pode ser confundida com a sociedade com estadão, aliás, uma sociedade com estadão longe de ser uma sociedade determinada pela infraestrutura material é uma sociedade determinada pela superestrutura ideológica (espiritual), ou seja, antes de ser uma sociedade que aplica e desenvolve princípios de Marx é uma sociedade que aplica e desenvolve princípios de Hegel, antes de ser materialista uma sociedade com estadão é idealista.
E o problema que foi apresentado: tomar o poder não é exato porque isso é insuficiente para realizar a liberdade incondicional: é preciso ainda destruir a máquina do estado.
Leonardo Boff – IHU On Line - 02/03/2015
Esta veio nas Pérolas de Sérgio Domingues. E eu lembro que já escrevi algumas vezes defendendo a liberdade de cada um que começa com a liberdade do outro. Porém, agora, lendo esta defesa desta mesma ideia me veio à mente uma crítica (logo também uma autocrítica): se o princípio burguês é que "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro", então, "onde começa a liberdade de cada um termina a liberdade de cada outro", logo, onde um é livre o outro não é e onde o outro é livre o um não é. Mas, se "a minha liberdade somente começa quando começa a tua também" aplicado nas condições burguesas significa: no mínimo, concorrência, e, no máximo, luta de classes!!! Certo!? Não?!
A liberdade de cada um, nas condições capitalistas, que começa com a liberdade do outro é chamada de livre-concorrência e corresponde ao dia a dia da competição dos capitalistas entre si. Mas, se a liberdade de cada um que começa com a liberdade do outro nas condições capitalistas não é mais livre-concorrência dos burgueses entre si, com cada um competindo com o outro de modo que sua liberdade termine ou suprima a do outro, então, esta competição ou livre-concorrência entre burgueses se torna luta dos capitalistas com outras classes não-capitalistas, a saber, luta com os proprietários fundiários e com os proprietários de suas próprias forças humanas de trabalho, portanto, se apresenta como luta de classes. A luta de classes com os proprietários fundiários se tornou similar à concorrência entre burgueses depois que a burguesia conquistou o poder que se concentrava nas mãos dos proprietários fundiários. Já a luta de classes com os proprietários de suas próprias forças humanas de trabalho não se suaviza muito facilmente porque estes proprietários de si mesmos tendem a fazer o mesmo que os burgueses fizeram no passado em relação aos fundiários: tomar o poder!!! As suavizações alcançadas com as livre-organização e livre-expressão sindical e partidária, ainda que proporcionem estabilidade economicista e reformista, permanecem tendo em seu seio aquela mesma tendência instável do passado capitalista:tomar o poder das mãos dos capitalistas!!! Então, se a reforma agrária foi a solução encontrada pelos capitalistas para tomar o poder dos fundiários e, ao mesmo tempo, entrar em acordo com eles. Hoje, quando ela é reivindicada pelos donos exclusivos de si mesmos, os capitalistas não a querem porque se encontram muito bem acordados com os fundiários, mas, mesmo assim, admitem que ela possa ser empreendida perifericamente para aliviar tensões e trazer donos exclusivos de si mesmos para o lado dos capitalistas e fundiários. Hoje, uma outra reforma, a urbana, também é admitida, ou seja, assim como quem é sem-terra pode vir a se tornar com terra quem é sem-teto pode vir a se tornar com teto, quer dizer, proprietário de coisas e não mais tão somente de si. Hoje, se admite, inclusive, que os donos de suas próprias forças humanas de trabalho venham a ser donos de meios de produção através das aplicações dos fundos de pensões, quer dizer, através das participações acionárias dos fundos de pensões ou do vir a ser sócios dos capitalistas via fundos de pensões e, assim, participar da co-gestão do capitalismo com os capitalistas. Aquilo que, no entanto, não se admite e nem mesmo se encontra no horizonte dos donos exclusivos de si próprios, os trabalhadores operários, é a socialização dos meios de produção (incluindo aí a terra), ou seja, um outro sistema no qual a atual interdependência dos trabalhadores na atividade de produção em lugar de ser vivida como elos das correntes que os aprisionam na atividade de produção passe a ser vivida como associação dos indivíduos livres que se realizam na atividade de produção, inclusive, reduzindo a jornada e se liberando da atividade de produção. Porém, esta última afirmação da liberdade de uns, os donos exclusivos de si mesmos, implica a negação dos donos de si mesmos e exclusivos dos meios de produção, incluindo a terra, logo, implica a negação da liberdade dos capitalistas e dos fundiários de modo a que a liberdade de cada um como proprietário social comece com o fim da liberdade de cada outro como proprietário particular, donde se conclui que a liberdade de cada um só começa com a liberdade de cada outro quando todos usam da mesma liberdade social, da mesma propriedade social.
Em todo caso, "a minha liberdade somente começa quando começa também a tua" é a minha liberdade num outro sistema social e não a minha liberdade no atual sistema que ao começar "quando começa também a tua" é livre-concorrência ou é luta de classes, mas não é a livre-cooperação nem é a liberdade social da sociedade sem classes. Portanto, é um sonho e uma luta na atualidade contra "a minha liberdade terminar onde começa a liberdade de outro", logo, também é uma luta da "minha liberdade que começa onde a do outro termina", melhor, é uma luta da minha liberdade que começa lutando contra a liberdade do outro porque a liberdade deste outro termina com a minha liberdade, então, talvez, seja o seguinte, na atualidade: "a luta da minha liberdade somente começa quando começa a luta contra a tua liberdade".
A liberdade está aprisionada em condições e não é incondicional, logo, a liberdade é prisioneira e não é livre. Para ser livre não pode ser limitada por condições e, portanto, precisa usufruir do incondicional. Ora, classes são condições, logo, sem classes só pode ser sem condições. De modo que a condição incondicional da liberdade ou a liberdade livre é própria da sociedade sem classes. E sociedade sem classes também é sociedade sem estado e não pode ser confundida com a sociedade com estadão, aliás, uma sociedade com estadão longe de ser uma sociedade determinada pela infraestrutura material é uma sociedade determinada pela superestrutura ideológica (espiritual), ou seja, antes de ser uma sociedade que aplica e desenvolve princípios de Marx é uma sociedade que aplica e desenvolve princípios de Hegel, antes de ser materialista uma sociedade com estadão é idealista.
E o problema que foi apresentado: tomar o poder não é exato porque isso é insuficiente para realizar a liberdade incondicional: é preciso ainda destruir a máquina do estado.