domingo, 30 de novembro de 2014

As novas tecnologias e as redes de pequenos grandes irmãos [I]



Estou pensando em sair do Facebook porque desde o início aparecem pessoas na minha lista de amigos que eu não convidei nem solicitei amizade. Ontem, dando uma busca a respeito de como sair do Facebook acabei entrando num caminho que mostrava meus feitos e eis que o Facebook me atribui o convite para uma dessas pessoas que eu não solicitei amizade e nem sei quem é. É o Facebook quem tem feito isso? Pode até ser, mas o mais provável é que sejam até mesmo pessoas que eu solicitei amizade que estejam fazendo esse tipo de coisa desde o início. Talvez considerem que isso seja fazer política, que isso seja fazer o bem e que, portanto, cercar-me na sua área de influência, no seu domínio, no seu curral seja promover minha educação, o desenvolvimento da minha consciência. E isto porque no mundo "real" a educação e a conscientização se fazem exercendo o poder-saber, a disciplina, o controle, a manipulação, enfim, impondo a vontade por todos os meios desde os mais sutis até os mais cruéis, desde os mais legítimos e legais até os mais criminosos e clandestinos. Mas, tais "amigos da liberdade e da libertação" parecem pensar que a prática da liberdade se desenvolve entrando em contradição consigo mesma e que não existe nenhum outro caminho para o exercício da liberdade, pelo menos para a liberdade prática, para a liberdade do mundo "real".


Tais "amigos da liberdade e da libertação" estão "transformando o mundo" ao aprenderem o uso das novas tecnologias e das novas capacidades e habilidades que elas permitem que tenham para expressar, organizar e dominar o mundo impondo sua vontade por todos os meios. Eles parecem não perceber muito bem que estão sendo ensinados pelas novas tecnologias a ser agentes da vontade delas, melhor, dos donos delas, quer dizer, daqueles que as produzem, introduzem e expandem por toda parte precisamente recorrendo à formação duma rede mundial de "amigos da liberdade e da libertação", de "revolucionários", de "transformadores do mundo" que aprendem a ser experimentados usuários das novas tecnologias e, assim, as expandem. E com essa expansão das novas tecnologias expandem igualmente tudo que aprendem com elas e, em especial, a serem agentes experimentados de tudo que elas requerem e impõem aos usuários. E, aquilo que tais novas tecnologias basicamente ensinam e expandem como formação por toda parte é a atividade de espiar. Ser "amigo da liberdade e da libertação", "ser revolucionário experimentado", então, é ser "espião", ser "agente da vontade dos donos das novas tecnologias", ser "agente dos novos desenvolvimentos do sistema capitalista".


- Ah, mas isto é ser a "nova força de trabalho do sistema capitalista", uai!!!?? A inexistência de privacidade não é um sintoma da dissolução da propriedade privada?! Um mundo sem qualquer privacidade não é, afinal, um mundo inteiramente socializado?!?! Portanto, com as novas tecnologias não se está a apenas um passo da sociedade inteiramente socializada, da sociedade comunista?!?!


"Grande Irmão", denunciado como o tirano dum mundo sem privacidade no livro "1984", que retratava essa prática da luta de "gato e rato" entre o "Grande Irmão" Stálin e Trotsky, se tornou um bem-sucedido "reality show" (novamente aí está a preponderância da fascinação pelo "real"), ou seja, a cultura da espionagem, do espiar se tornou cultura de massas, se popularizou para se mostrar como marca duma época, como ideologia dominante da qual além de os "amigos da liberdade e da libertação" não escaparem, eles se tornam seus experimentados agentes, como "revolucionários e transformadores do mundo". Afinal, "mudar o mundo!" é o slogan duma das propagandas mundiais da coca-cola.

sábado, 29 de novembro de 2014

"Esta presidenta quer o diálogo!"- do discurso da vitória de Dilma - e "Teoria Marxista", de Cristiane Rubão {9/c}


Quando ouvi o discurso da Dilma estranhei que não citasse o Aécio que minutos antes dissera, no seu discurso de reconhecimento da vitória de Dilma, ter ligado para cumprimentá-la. Achei que ambos estavam reconhecendo os méritos da campanha de Marina e até escrevi que parecia que ela era quem tinha ganhado as eleições de 2014.


Depois de um ou mais dias fiquei surpreso com o ataque da Câmara dos Deputados Federais ao decreto da Dilma, com a atitude indignada e colérica do Aloysio Nunes com a campanha da Dilma e, em seguida, mais surpreso, quando soube que o PSDB, melhor, alguém do PSDB estava questionando o resultado das eleições no TSE e soube que manifestantes em São Paulo chegaram a pedir um golpe militar.


Não entendi mais nada e a culpa é minha porque simplesmente não suportava acompanhar as baixarias da campanha eleitoral e, assim, me mantive distante da "dialética" desenvolvida pelas baixarias. Apenas raciocinei que tudo aquilo decorria do "desenvolvimento dialético das baixarias da campanha eleitoral".


Algum tempo depois, li duas postagens de Helbson de Ávila no Facebook, uma foi a "Teoria Marxista", de Cristiane Rubão, e a outra foi uma campanha por um abaixo-assinado em apoio ao Decreto número 8.243 que tinha sido rejeitado pela Câmara dos Deputados Federais. Ao iniciar a leitura do texto do decreto entendi a que se referia Dilma no seu discurso de vitória quando dizia: "Esta presidenta quer o diálogo!". Veja você mesmo(a):


"Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

"DECRETO Nº 8.243, DE 23 DE MAIO DE 2014


"Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências.
"A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º, caput, inciso I, e no art. 17 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003,
"DECRETA:
"Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Participação Social - PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil." (Consulte/leia em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8243.htm - o destaque é meu).


Eu tinha lido a "Teoria Marxista", de Cristiane Rubão e tinha feito comentários que remetiam para as críticas de Marx àquilo que ele chamou de "socialismo de Estado" e que aparecia em diferentes textos e contextos como parte duma problemática social e política. Não fiz os comentários recorrendo às críticas textualmente e sim à memória delas. São, portanto, passíveis de erros, mas, num ponto geral, elas são um acerto: Marx defendia que se destruísse a máquina do Estado e não que se edificasse um Estado. E a defesa da máquina do Estado para a edificação de um Estadão é o ponto principal, da intérprete Cristiane Rubão, da dita "Teoria Marxista".


Depois que li o Decreto de Dilma entendi porque a Câmara Federal foi contra o mesmo e contra a proposta de "diálogo da presidenta". Primeiro, achei que o Decreto ressuscitava o movimento de Brizola e da esquerda que levou Jango até ao famoso discurso da Central do Brasil e que significava fazer as Reformas "na marra" e sem o Congresso e sem os "conciliadores" do PSD. Segundo, vi mais: O Decreto alimentava a idéia de governar com um Estado forte que, prescindindo do Congresso Nacional, quer dizer, da Câmara dos Deputados Federais e do Senado Federal, se basearia na unidade indissolúvel da presidenta e do povo, digo, da "administração pública federal e (d)a sociedade civil". Ora, isso remetia para a coincidência com a postura golpista da esquerda que sofreu o golpe militar de 64 (que atualmente vem sendo chamado de golpe civil-militar de 64) e remetia ainda para a coincidência da visão dessa esquerda com o "socialismo de Estado" que Marx tanto criticou e que se tornou o "socialismo realmente existente" no século XX, especialmente, a partir de sua instituição modelar por Josef Stálin.


Se a ditadura instituiu, por meio da Lei de Segurança Nacional, o Sistema Nacional de Informações, então, a democracia petista quer instituir, por meio da Constituição Federal, o Sistema de Conselhos Populares visando a "I - promoção da participação de forma direta da sociedade civil nos debates e decisões do governo". É mesmo o tal do "socialismo de Estado", o tal do "socialismo por decreto". O erro que Marx tanto criticou e que levou "o socialismo real" precisamente àquilo que ele previra: O retorno do capitalismo! E porquê isso?! Porque este "socialismo por decreto de Estado" é inerente à Revolução Burguesa e tem por resultado o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, isto é, o retorno desenvolvido das relações sociais capitalistas.


A Revolução Proletária institui os Conselhos como órgãos do seu poder direto e não como "promoção da participação de forma direta da sociedade civil nos debates e decisões do governo", ou seja, são órgãos do poder do proletariado e não organismos subalternos "da participação de forma direta da sociedade civil nos debates e decisões do governo". Pelo contrário, os conselhos proletários fazem a "promoção da participação de forma direta da sociedade civil nos debates e decisões" dos próprios conselhos proletários, não são organismos subalternos da máquina do Estado e sim órgãos do próprio poder direto do Proletariado, órgãos da própria sociedade civil liberta do Estado e das diferenças de classes sociais.


O Marx maduro quando escreveu sobre esse assunto percebeu a enorme gravidade do problema e no final da "Crítica ao Programa de Gotha" citou uma frase clássica cuja tradução é: "Disse e salvei minha alma!". E essa também é a minha defesa, já que vou deixar muitos da esquerda descontentes com esse texto.




Teoria Marxista




Foi no estado alemão [sugestão: Foi na Alemanha. Porque? O país ainda não estava unificado e se compunha por diferentes estados. Além disso, fica uma mensagem subliminar: A teoria de Marx, que é a do crítico por excelência da filosofia do direito de Hegel, quer dizer, o crítico de quem tem por primado e princípio a superestrutura do Estado (e por aí da Ideia ou Espírito) e que de maneira antagônica assume como primado e princípio a infraestrutura da Sociedade Civil (e por aí da Matéria ou Corpo – aliás, esta tendência infra estrutural de Marx começa na sua tese de doutorado sobre o atomismo grego, “Diferenças entre as Filosofias da Natureza de Demócrito e de Epicuro” -), aparece como tendo nascido no estado (no idealismo) e não na sociedade civil (no materialismo)], agitado e cheio de problemas, que nasceu o marxismo [Outro problema: Marx dizia que não era marxista e rejeitava a nomeação de sua teoria de marxismo. Esta posição de Marx data da época em que entrou em luta com Bakunin no interior da Associação Internacional dos Trabalhadores. A coisa começa quando Bakunin solicita a entrada da sua Aliança Internacional da Democracia Socialista (AIDS) na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) porque Marx argumenta que ou a Aliança Internacional se descaracteriza para entrar na Associação Internacional ou a Associação Internacional é que deve se descaracterizar, mas como a solicitação é de entrada na Associação Internacional dos Trabalhadores então basta que os membros da Aliança Internacional da Democracia Socialista concordem com os estatutos da AIT e nela ingressem como indivíduos trabalhadores, além disso, é do interesse da AIT conhecer o programa da AIDS e, nesse sentido, Marx adianta que a AIT não defende “a igualização das classes por meio da liquidação social das classes” e sim “a dissolução das diferenças sociais de classes por meio da socialização dos meios de produção”, ou seja, não se trata de promover um processo de autodestruição (niilismo, diria Nietzsche alguns anos depois) humana e social das classes para que se tornem iguais no fim dessa autodestruição (desse niilismo) e sim de promover o fim das diferenças sociais de classes por meio da socialização dos meios de produção, da transformação da propriedade dos meios de produção e, portanto, da autocriação humana e social de novas relações de propriedade das coisas, a qual, por sua vez, também é socialização da autocriação humana e social das coisas (socialização das forças produtivas, quer dizer, das forças humanas de trabalho e dos meios de produção). Em seguida, já participando da AIT, Bakunin defende a “abolição do direito de herança” e Marx se opõe a esta defendendo a “socialização dos meios de produção” e, portanto, se a propriedade é social a herança ou não existe ou também é social e a propriedade é herdada por todos. Bakunin que leu e traduziu o Manifesto do Partido Comunista lembra que a abolição do direito de herança é defendida nele, lembra também que aí a pequena burguesia acaba formando com as demais classes um mesma massa reacionária e que só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária (Marx volta a falar explicitamente contra essa concepção da pequena burguesia como uma massa reacionária na “Crítica ao Programa de Gotha”), finalmente, que o marxismo é autoritário por defender a tomada do poder político se assenhoreando do mesmo para que sirva a seus interesses, ou seja, é autoritário por tomar o Estado capitalista e substituí-lo pelo Estado proletário. Marx diz que não é marxista, que não defende o direito de herança, que a pequena burguesia não é uma massa reacionária e, finalmente que, após a Comuna de Paris de 1871, ficou claro o que é a ditadura revolucionária do proletariado: A destruição da máquina do Estado feita por meio da instituição da Comuna que se desenvolve dissolvendo progressivamente as sobrevivências restantes da máquina do Estado, logo, não se trata de substituir a máquina do Estado por outra e sim de conduzir a sua destruição até o fim, quer dizer, até que a Comuna se dissolva na Comunidade ou se socialize cada vez mais até se tornar o Comunismo. Marx rejeita os pontos programáticos que defendeu no Manifesto e, mais ainda, a concepção geral defendida no Manifesto de tomada e assenhoreamento do Estado para que seja o seu Estado e sirva aos seus interesses e rejeita porque não quer esta propriedade privada do Estado ou o seu Estado e sim o fim da propriedade privada e do Estado. Rejeita que sua teoria seja o marxismo e defende que ela é a ciência histórica das ações sensíveis, das atividades materiais, ou seja, uma ciência feita pelos trabalhadores no curso da própria atividade sensível, material, histórica. Marx rejeita o marxismo, mas assume ser um participante das associações ativas dos trabalhadores.] Essa teoria não foi concebida apenas por Karl Marx ( 1818 - 1883 ), ele teve uma colaboração ideológica e financeira de Friedrich Engels ( 1820 - 1895 ). Eles escreveram em parceria o Manifesto Comunista ( 1848 ) e A ideologia alemã [1846]. Algumas das obras de Marx foram: O 18 Brumário de Luís Bonaparte [1852], Contribuição à crítica da economia política [1859], e a mais importante que foi O Capital [1867]. Já Engels escreveu Anti-Dühring, A dialética da natureza, A origem da família, da propriedade privada e do Estado e outras. [A teoria de Marx foi escrita na sua maior parte fora da Alemanha. A “Questão Judaica” [1843] e a “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” [1843] foram escritas e publicadas fora da Alemanha, idem para a “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” [1843] (só publicada no século XX, em 1927). Os “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” [1844] também foram escritos fora da Alemanha. “A Sagrada Família” [1845] foi escrita em Bruxelas em colaboração com Engels, com certeza, “A Ideologia Alemã” foi escrita em colaboração com Engels fora da Alemanha até porque “a mudança de terreno” da Alemanha para a Inglaterra é um dos temas, melhor, uma espécie de fio condutor da argumentação da obra. Esta “mudança de terreno” é usada para deixar claro que a consciência de si do terreno alemão é a ideologia (o idealismo), o pensar, a consciência de si dos pensamentos, enquanto que a consciência de si do terreno inglês é o materialismo (a economia), o agir, a consciência de si das ações sensíveis. É exatamente aí que ele assinala a passagem da superestrutura do Estado para a infraestrutura da Sociedade Civil, a passagem da ideologia para a economia. “A Miséria da Filosofia” [1847] foi escrita na França. O “Manifesto do Partido Comunista” [1848] foi escrito na Inglaterra, idem para “As Lutas de Classes na França” [1850] e “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” [1852] após as revoluções de 1848 e durante elas Marx foi chefe da Nova Gazeta Renana na Alemanha e seus escritos alemães foram novamente jornalísticos. Também escreveu a “Contribuição à Crítica da Economia Política” [1859] na Inglaterra, mas aí já estava muito mais imbuído da nova consciência de si das ações sensíveis porque tinha desistido das ilusões da consciência de si revolucionária ideológica dos exilados para tratar de descobrir as verdades da consciência de si revolucionária econômica dos agentes sensíveis e, desse modo, ressaltou ainda mais a ideia das crises cíclicas como momentos propícios às revoluções dos trabalhadores e em oposição às normalidades cíclicas dos momentos propícios às revoluções dos meios de produção dos capitalistas, de modo que o processo como um todo era equivalente ao de um paciente de esquizofrenia maníaco-depressiva. Observação importante: Tudo indica que, afora a tese de doutorado, todo o conjunto de elaborações teóricas de Marx foram escritos fora da Alemanha. Outra observação importante: Ele mesmo coloca o nascimento do seu posicionamento político e econômico quando se vê às voltas com questões materiais relativas aos debates no parlamento sobre o roubo de lenha dos camponeses do Mosela, quer dizer, a respeito da mudança da propriedade comunal tradicional dos camponeses acostumados a nela se abastecer de lenha para a propriedade privada dessas terras comunais tradicionais que passa a caracterizar como roubo o costume dos camponeses.]



Eles formularam seu pensamento baseado na realidade social da sua época, que era de um grande avanço técnico e aumento do controle da natureza pelo homem mas, por outro lado, a classe trabalhadora sofria mais opressão e ficava cada vez mais pobre. Sua doutrina partiu do estudo dos economistas ingleses Adam Smith e David Ricardo e da filosofia de Hegel. Essa doutrina se compõe de uma teoria científica, o materialismo histórico, e de uma teoria filosófica, o materialismo dialético. [É muito mais uma invenção dos que se intitulam marxistas do que uma realidade ou uma doutrina que seja encontrada no próprio Marx. Eu, pelo menos, nunca encontrei essa divisão do materialismo de Marx em materialismo histórico e materialismo dialético, afinal, como é sabido, o filósofo Hegel desenvolveu sua filosofia como uma ciência e o idealismo objetivo de Hegel se caracterizava por ser dialético e histórico, mas também por chegar ao saber absoluto e neste ponto culminante de seu sistema afirmar o fim da dialética e o fim da história. Marx afirma a continuidade da dialética e a continuidade da história ao assumir sua posição filosófica materialista e desenvolvê-la como ciência dialética e histórica. Agora, aquilo que é muito fácil de encontrar em Marx é a distinção entre a análise que pode ser feita de maneira empírica e que se baseia na abundância de materiais empíricos para a construção da sua história e aquela que requer o uso da abstração e que tem por base a escassez de materiais empíricos, ainda que possa existir uma abundância de especulações abstratas, para poder construir a sua história. Ele diz que, de modo geral, a análise científica é aquela construída sobre materiais empíricos, por exemplo, a análise econômica, e se distingue da análise científica construída a partir de materiais especulativos, ou seja, no fundo, ainda é a distinção entre o materialismo, que caracteriza a consciência de si como ser e atividade sensível, e o idealismo, que caracteriza a consciência de si como pensar e atividade abstrata. Esta distinção entre materialismo histórico e materialismo dialético não existe em Marx e o maior responsável pela sua invenção e difusão foi Stálin e nunca Marx.] Segundo o materialismo, o mundo material é anterior ao espírito e este deriva daquele. Marx chama de infra-estrutura a estrutura material da sociedade, sua base econômica, que consiste nas formas pelas quais os homens produzem os bens necessários à sua vida.



A superestrutura corresponde à estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica. A posição do marxismo, é que a infra-estrutura determina a superestrutura, mas ao tomar conhecimento das contradições, o homem pode agir ativamente sobre aquilo que o determina. As manifestações da superestrutura passam a ser determinadas pelas alterações da infra-estrutura decorrentes da passagem econômica do sistema feudal para o capitalista [Não só pelas alterações decorrentes da passagem do sistema feudal ou, por exemplo, do sistema escravista colonial para o capitalista mas também pelas próprias alterações na economia capitalista, seja devido às incessantes revoluções dos instrumentos de produção, seja devido às incessantes revoluções das forças humanas de produção, quer dizer, seja devido às lutas dos trabalhadores por aumentos salariais, reduções de jornada de trabalho, direitos civis, direitos políticos. As manifestações da superestrutura em ambos os casos são determinadas pelas alterações da infraestrutura.] O movimento dialético da história se faz por um motor, que é a luta de classes. [Dizer “o movimento dialético da história” é dizer “o movimento do materialismo dialético da história” e, portanto, também supor um “movimento do materialismo histórico da dialética” de modo que o primeiro é “filosófico” e o segundo é “científico”?! , um é a teoria filosófica e o outro é a teoria científica?! É isso que cabe perguntar com a tal divisão entre os materialismos. Mas, aqui, o principal é saber que “a história das sociedades até aqui tem sido a história das lutas de classes” (ver o Manifesto) e isto significa que este não é o único possível motor da história das sociedades, logo, significa, inclusive, a possibilidade da história das sociedades sem classes e com outro motor da história.] Essa luta acontece porque as classes tem interesses antagônicos. No modo de produção capitalista essa relação de antagonismo se dá porque o capitalista detém o capital e o operário não possui nada [além de si mesmo ou da sua própria força humana de trabalho], tendo que vender a sua força de trabalho.



A partir desse ponto, Marx formula um de seus conceitos mais conhecidos [sugiro que use “mais famosos” porque existe enorme controvérsia em relação ao conhecimento que se tem ou não deste conceito] que é a mais-valia. Esse mais-valia é [produzida] concebida quando o trabalhador vende ao capitalista a sua força de trabalho [para que seja empregada, usada, consumida nos meios de produção do capitalista] por um valor estipulado num contrato. Acontece que ele produz mais do que esperado, e como ele fica com tempo disponível dentro da empresa ele produz um excedente que é a mais-valia. [Não é um acontecimento casual ou uma capacidade de produção excepcional do trabalhador que faz ele produzir mais do que o esperado e depois ficar à toa com tempo disponível e aproveitar para produzir um excedente que é a tal da mais-valia. Primeiro, se ele já produz mais do que é esperado, então já produziu a tal mais-valia e não precisaria mais ficar na empresa. Segundo, se, além disso, quer dizer, da produção que excede o esperado, “resolve” usar o “tempo disponível” para produzir mais excedente e, apenas esse excedente, é considerado mais-valia, então, ele, na verdade, é um sócio do capitalista, já que a primeira produção excedente não é considerada como sendo do capitalista, logo, é exclusivamente do trabalhador, mas como excede o esperado, então é um excedente que é apropriado pelo próprio trabalhador ou uma mais-valia que ele produziu para ele mesmo e, desse modo, ele age e se considera um sócio do capitalista. Não é assim que Marx concebe a produção de mais-valia. Ele diz que o trabalhador vende o uso, emprego ou consumo de sua força humana de trabalho para o capitalista pelo valor equivalente à reprodução de sua força humana de trabalho, mas o trabalhador não pode se limitar a produzir o equivalente à sua própria força humana de trabalho porque terá produzido apenas para si mesmo e nada terá produzido para o capitalista, então, a outra parte do seu horário ou jornada de trabalho é a produção de um trabalho não pago que é apropriado exclusivamente pelo capitalista como “retribuição” (“pagamento” feito pelo trabalhador) por este (capitalista) permitir ou, numa linguagem mais real, pagar o uso dos seus meios de produção para a reprodução da força humana de trabalho. Se o trabalhador apenas produzisse o equivalente à reprodução de sua própria força humana de trabalho, então não haveria produção de mais-valia e o capitalista de nada se apropriaria e não haveria a reprodução do capital e logo, logo o capitalista deixaria de existir. Para que o capital se reproduza e exista o capitalista é preciso que haja a produção de mais-valia pelo trabalhador numa parte de sua jornada ou horário normal de trabalho. Na verdade, o trabalhador tem sua jornada dividida em, pelo menos, três partes, a que reproduz a sua força humana de trabalho, a que reproduz os meios de produção capitalista e a que produz ou reproduz a mais-valia, quer dizer, um valor a mais que excede a soma do valor da força humana de trabalho e do valor dos meios de produção. É este valor a mais, esta mais-valia que torna o capitalista um acumulador de capital, quer dizer, um capitalista.] Essa mais-valia não é dividida com o trabalhador e fica nas mãos do capitalista que vai acumulando o capital. A mais-valia é portanto o valor que o trabalhador cria além de sua força de trabalho e é apropriado pelo capitalista.



Outro conceito que Marx constrói é o da alienação. [Alienação é desapropriação, é perda do que é próprio ou propriedade para o outro (alien), alienação é ação de tornar do outro. E, no caso da força humana de trabalho da manufatura e especialmente da grande indústria é a total alienação do trabalho, da atividade de trabalho, da arte da atividade de trabalho, é a perda das qualidades ou dos dons que o trabalhador possui para realizar seu trabalho, quer dizer, da maestria, da arte e mesmo da genialidade criativa que possui para realizar o trabalho. E isto porque o trabalho passou primeiro para os mecanismos da manufatura e depois para os maquinismos da grande indústria de modo que a maestria, a arte, a genialidade e dom da atividade de trabalho pertence ao mecanismo da manufatura e ao maquinismo da grande indústria e para a força humana de trabalho resta sua condição de se reduzir a mero apêndice mecânico da manufatura ou apêndice maquinal da grande indústria, ou seja, o trabalho não é mais qualitativo, concreto e dependente das habilidades criativas humanas da força de trabalho e sim uma mera atividade quantitativa, abstrata e dependente inteiramente do meio de produção manufatureiro e/ou grande industrial, ou seja, o trabalhador está alienado do trabalho e reduzido à condição de mera força humana de trabalho, a mero desgaste de energia, a mero suor do rosto que nada faz de criativo na sua atividade e nem sente nada de criativo na sua atividade, exceto o gasto de energia e, por aí, a capacidade de consumição de sua energia e, nesse sentido, a capacidade de alienar-se de sua energia vital ou força de trabalho. Se no artesanato o produto depende da habilidade criativa do trabalhador no manejos dos instrumentos de trabalho e, mais ainda, nas artes, posto que as obras de arte dependem quase que inteiramente dos dons dos artistas, então na manufatura e na grande indústria o produto fica inteiramente independente ou alienado de toda e qualquer habilidade do trabalhador e a única qualidade da atividade do trabalhador é fornecer força ou energia de trabalho para a atividade inteiramente independente do mecanismo da manufatura ou da maquinaria da grande indústria. O trabalhador fica alienado de todas as qualidades humanas criativas que ficam inteiramente com os meios de produção e o trabalhador fica inteiramente empobrecido, melhor, alienado ao ficar reduzido a mera atividade mecânica ou maquinal, quer dizer, inteiramente alienado ou abstraído das atividades e qualidades criativas humanas. A única qualidade concreta que ele possui é sua energia ou força humana de trabalho que ele vende para que seja usada, empregada e consumida numa atividade de trabalho inteiramente alienada ou abstrata e isto porque a produção de valor e/ou de mercadoria é precisamente a de trabalho humano abstrato.] O trabalhador quando vende a sua força de trabalho se torna estranho ao produto que concebeu [na verdade o trabalhador não concebe o produto, mas apenas participa da sua produção como energia ou força de trabalho]. Essa perda do produto causa outras perdas para o trabalhador, como a separação da concepção e execução do trabalho, e ainda com o avanço tecnológico, ele fica sujeito ao ritmo da linha de montagem, não tendo controle sobre o seu ritmo normal de trabalho [Isso: A concepção e a execução ou realização do trabalho são dos meios maquinais de produção e o trabalhador reduzido a mera força de trabalho apenas se submete ao desgaste ou consumo de sua energia, quer dizer, ao ritmo, à voltagem ou à intensidade imposta como consumo de sua energia pelos meios de produção]. Para que o trabalhador não se revolte, o capitalismo usa de mecanismos de introdução de ideologia na cabeça das pessoas, para que estas se conformem com a situação de desigualdade. [O trabalhador reduzido ao desgaste ou consumo de sua força humana de trabalho só está preocupado em garantir a reprodução ou a continuidade de sua força humana de trabalho e esta reprodução ou continuidade ou recuperação do desgaste ou do consumo da força humana de trabalho se faz por meio da compra das mercadorias produzidas pelos meios de produção maquinais que são totalmente artificiais mas, mesmo assim, os produtos maquinais e artificiais possibilitam a recuperação, reprodução e continuidade de sua força humana de trabalho, as propriedades naturais dos produtos ou das mercadorias que o trabalhador consome para repor sua força humana de trabalho certamente existem mas elas são cada vez mais qualidades gerais abstratas físicas e químicas, qualidades naturais artificiais de modo que a recuperação de sua força de trabalho é feita consumindo a generalidade duma natureza artificial que é chamada mercado e, nesse sentido, a reprodução da força humana de trabalho é também realização efetiva pelo consumo da produção do valor, ou seja, a força humana de trabalho recupera sua energia num ambiente artificial no qual ela, ao mesmo tempo, cultiva o descanso e o lazer ou a renovação da força humana de trabalho igualmente como alienação porque agora ela não gasta energia e recupera energia porque são as mercadorias, os produtos maquinais artificiais que fornecem energia maquinal para a força de trabalho. A mercadoria ou o valor, quer dizer, a redução de tudo a mercadoria e a valor é a ideologia dominante por ser a ideologia da classe dominante. Em outras palavras, os pensamentos que dominam na produção separando o trabalhador da atividade de trabalho e do produto voltam a dominar no consumo dos produtos separados do trabalhador que agora são consumidos como concentração de atividade de trabalho cheias de energia que repõem as energias gastas porque facilitam a força humana de trabalho reduzindo ao mínimo todo e qualquer esforço humano. De um lado, o trabalhador só gasta energia humana no processo de produção e, de outro lado, o trabalhador só recupera sua energia consumindo produtos que não o deixam gastar a mais mínima energia humana, então, ele deixa consumir sua energia na produção para poder adquirir produtos que o fazem acumular energia. Aí está o processo geral e também a ideologia do mesmo. Mas, não como uma conspiração nem como “introdução de ideologia na cabeça das pessoas” para que não se revoltem e sim como mercado, como realização das mercadorias produzidas ou do valor produzido. E como o fetichismo da mercadoria. Sísifo gasta sua energia levando a rocha até o cume e recupera sua energia contemplando a pedra rolar até o sopé.]



O Socialismo



Para Karl Marx, a classe operária, organizada em um partido revolucionário, deverá destruir o Estado burguês e organizar um novo Estado capaz de acabar com a propriedade privada nos meios de produção [Este Karl Marx é o tal do marxista ou o tal que foi alienado do próprio Karl Marx e este último, por isso mesmo, declarou que ele não era marxista. O Karl Marx propriamente dito é aquele que assume a destruição da máquina do Estado como sendo a ditadura revolucionária do proletariado] Esse novo Estado, que ele chama de ditadura do proletariado, deverá liquidar a classe burguesa no mundo inteiro [Esse é o Karl Marx marxista ou aquele que foi alienado do próprio Karl Marx. O próprio Karl Marx na “Questão Judaica” diferenciava a atividade de emancipação política que, a seu ver, foi muito bem concebida por Rousseau e muito bem assumida pela Revolução Francesa quando ela eleva a conceito supremo o direito à segurança ou o exercício político do poder de polícia, já ele, Karl Marx, frente a este momento supremo defende a emancipação humana ou social que é aquela feita elevando a conceito supremo as próprias forças humanas ou sociais, logo, o exercício do poder humano ou social comum; mas, na “Ideologia Alemã”, ele também já observava que “o comunismo implantado por decreto” só serve para desenvolver o (eterno) retorno desenvolvido do capitalismo; no “O 18 de Brumário” ele se refere à enorme concentração de poder policial da máquina do Estado e é na “Guerra Civil na França” que ele mostra que os trabalhadores finalmente encontraram a forma da ditadura revolucionária do proletariado, a comuna, na atividade de destruição da máquina do Estado.] Essa primeira fase é chamada de socialismo, precisa de um aparelho estatal burocrático, um aparelho repressivo e um aparelho jurídico [Aqui fica claro que não é feita nenhuma destruição da máquina do Estado porque para o marxista, aquele que é alienado de Karl Marx, o socialismo “precisa de um aparelho estatal burocrático, um aparelho repressivo e um aparelho jurídico”, enfim, duma intacta e indestrutível máquina do Estado]. É nessa fase que se dará a luta contra a antiga classe dominante, para se evitar a contra-revolução. O princípio do socialismo é: “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um segundo seu trabalho”. [Na “Crítica ao Programa de Gotha”, o autor não marxista, aquele que é próprio de Karl Marx, afirma que a destruição da máquina do Estado é feita pelos trabalhadores que instituem seu poder comum, que é o poder dos trabalhadores, a comuna, e, por isso, medem tudo segundo o trabalho, logo, para trabalho igual ganho igual, ou seja, o não marxista diz que nessa fase inicial da sociedade que sai do capitalismo é aplicado o Direito Igual que, diz o não marxista, é a realização efetiva do Direito Burguês, uma realização que não ocorre no próprio capitalismo, ainda que o Direito Igual ou Burguês tenha nascido no capitalismo. Isto ocorre porque os trabalhadores agora podem tornar real a medição pelo trabalho igual que durante o capitalismo era reduzido a uma tendência não realizada. A troca de mercadorias se faz por meio da igualdade das mercadorias com uma mesma quantidade de trabalho humano abstrato, com uma mesma quantidade de trabalho igual incorporado nas mercadorias, mas quanto ao valor igual da força humana de trabalho ocorrem enormes disparidades, uma delas, velha conhecida dos trabalhadores, é a situação daqueles que recebem salários abaixo do valor da força humana de trabalho e para a qual a reivindicação conhecida é “para trabalho igual, salário igual”. O não marxista, aquele que é próprio de Karl Marx, observa que o Direito Igual, Burguês, Mercantil não é justo porque reduz tudo e todos a apenas um aspecto, o do trabalho, e, para que se realize a justiça, é preciso que o Direito seja Desigual para que possam ter vez os indivíduos que são naturalmente diferentes, desiguais de modo que, em lugar da redução de todos pelo trabalho, passe a vigorar a ampliação de todos pela associação de modo que indivíduos diferentes, logo, com capacidades e necessidades diferentes possam interagir com justiça ou segundo o princípio “de cada um, segundo suas capacidades, a cada um, segundo suas necessidades”. O não marxista lamenta que de início a destruição da máquina do Estado deixe de pé o Direito Igual que torna todos iguais perante a lei, quer dizer, perante o Estado que restou e que é a Comuna, mas, logo se anima com esta forma, a Comuna, por perceber que nela prevalece a ampliação das diferenças de todos pela associação das diferenças de cada um, por perceber que nela prevalece a Sociedade e não mais o Estado, logo, por perceber que a Comuna não é mais nem precisa mais ser “um aparelho estatal burocrático, um aparelho repressivo e um aparelho jurídico”]



A segunda fase, é chamada de comunismo, e se define pelo fim da luta de classes e consequentemente o fim do Estado. Haveria um desenvolvimento prodigioso das forças produtivas, que levaria a uma era de abundância, ao fim da divisão do trabalho em trabalho material e intelectual, e a ausência de contraste entre cidade e campo e entre indústria e agricultura.[O marxista, aquele que é alienado de Karl Marx, precisa explicar o que aconteceu com aquele Estado modelo do Socialismo, a URSS, que chegou ao seu fim numa época de “desenvolvimento prodigioso das forças produtivas”, “uma era de abundância”, de “fim da divisão do trabalho em trabalho material e intelectual”, de “ausência de contraste entre cidade e campo e entre indústria e agricultura” que foi a época do neoliberalismo e da globalização via internet e com o trabalho material sendo feito pelo trabalho intelectual informático e com uma agricultura de transgênicos e outras culturas industriais, com uma população rural que já não se diferencia muito da urbana porque a área rural está cada vez mais igual a área urbana, mas toda a era de abundância e das prodigiosas forças produtivas que levou ao fim do Estado modelo do Socialismo, a URSS, não chegou ao Comunismo e sim ao Capitalismo. Ora, esta não foi a previsão do não marxista, aquele que é próprio de Karl Marx?! Não foi ele quem disse que “a implantação do comunismo por decreto tem por resultado o retorno desenvolvido do capitalismo”?! E também não foi o fim da luta de classes?! Não foi o fim dos partidos comunistas, do socialismo dos partidos socialdemocratas, do vigor e predominância dos sindicatos e das lutas sindicais, das revoluções socialistas?! Portanto, foi o advento do comunismo do marxista, aquele que é alienado de Karl Marx?!?!] O princípio do comunismo é: “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidades”. Com a passagem para o comunismo, a luta de classes não mais seria entre dominantes e dominados, e sim entre as forças progressistas e as forças conservadoras [O marxista agora já não diz que ”o comunismo se define pelo fim das lutas de classes”, mas sim que no comunismo “a luta de classes não mais seria entre dominantes e dominados, e sim entre as forças progressistas e as forças conservadoras” e já não está bastante longo esse período no qual se descobriu que já não mais existe a divisão tradicional entre direita e esquerda?! Já é longo o tempo no qual os movimentos sociais se organizam através dos meios informacionais virtuais da internet?! Já é longo o tempo no qual os movimentos sociais se mostram associados às novas tecnologias e, nesse sentido, não mais meramente como forças (classes) dominadas e sim como forças progressistas situadas, como superação, bem à frente das conservadoras forças (classes) dominadas?! O não marxista não havia apontado uma coincidência revolucionária entre a grande indústria e os trabalhadores, ou seja, a redução do tempo de trabalho necessário para a produção da mercadoria da grande indústria e a luta dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho da grande indústria?! Se a relação dos trabalhadores com a grande indústria se reduz a uma relação corporal manual com a maquinaria industrial, já a relação das forças progressistas das novas tecnologias se reduz a uma relação intelectual digital com a maquinaria internética; antes era apenas a energia humana de trabalho que interessava à grande indústria, agora é a energia humana de lazer que interessa à maquinaria internética ou antes era apenas a força material, real ou a energia do ser que interessava e agora é a força imaterial, imaginária ou a energia do pensar que interessa à maquinaria internética.]



Correntes marxistas contemporâneas e as aplicações do método marxista



Lênin ( 1870 - 1924 ), teórico do marxismo, cujo verdadeiro nome era Vladimir Ilitch Ulianov, foi também um revolucionário. Quando os socialistas revolucionários, liderados pelos mencheviques, derrubaram os o czarismo em março de 1917, Lênin se encontrava exilado na Suíça. Retornando à Rússia, liderou a facção dos bolcheviques, que tomou o poder em outubro do mesmo ano. O seu propósito era restabelecer a verdadeira concepção de Marx e Engels, deformada pela Segunda Internacional ( 1889 - 1914 ), a partir da qual alemães e franceses apoiaram a guerra imperialista de 1914.



Ele também rompeu com o teórico alemão Kautsky, acusando-o de oportunismo e de adotar posições não revolucionárias, além de imprimir interpretações positivistas e não dialéticas ao pensamento marxista. Propunha a quebra do Estado burguês pela violência e instaurar a ditadura do proletariado, e foi contra os anarquistas que achavam necessário abolir o Estado imediatamente. Sob o seu comando, a Rússia se tornou União Soviética, onde acabou com a propriedade privada, planificou a economia, fez reformas agrárias, nacionalizou bancos e fábricas.



Leon Trótski ( 1879 - 1940 ) foi companheiro de Lênin nas lutas de 1917, e defendia revolução permanente, que significa o prolongamento da luta de classes em nível nacional e internacional, que gerará a guerra civil interna e a guerra revolucionária externa. Trótski foi muito perseguido pelo seu maior inimigo, Stálin, e refugiou-se no México, onde foi assassinado por um stalinista.
Joseph Stálin ( 1879 - 1953 ), foi o sucessor de Lênin no poder da URSS e fortaleceu o Estado ao ponto de transformá-lo num regime totalitário. Imprimiu ao socialismo um caráter fortemente nacionalista, fortaleceu a polícia e o exército e desenvolveu o culto à personalidade. Esteve menos preocupado com a teoria e mais com a formulação de máximas de ação. Após sua morte, Kruchev assumiu o poder e promoveu o processo de desestalinização.



Rosa Luxemburg ( 1871 - 1919 ), natural da Polônia, ajudou na formação da Liga Espartaquinista e fundou o Partido Comunista Alemão. Defendia a tese da espontaneidade das massas e criticava o partido único, cuja consequência é o governo ditadorial de uma minoria. Alertou severamente sobre os perigos da burocracia, que poderia levar à supressão da democracia.



Antônio Gramsci ( 1891 - 1937 ) foi um dos mais importantes teóricos italianos, preso durante catorze anos pela ditadura fascista. Mesmo no cárcere, onde ficou até a morte, escreveu muito, enfatizando a crítica ao dogmatismo do marxismo oficial, que ao petrificar a teoria, impedia a prática revolucionária. [Todos estes são expoentes do marxista, aquele que é alienado de Karl Marx?!]



Autoria: Cristiane Rubão [Autor dos comentários: Carlos Eduardo de Alencastro]


















quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Vida/morte, singularidade/pluralidade, revolucão/queda (5)



A Natureza apresenta, de um lado, a vida e, do outro, a morte, sendo que a vida morre e a morte não morre. Pela morte a Natureza em decomposição conduz seu processo até seus últimos componentes, os átomos e o vazio, que são os seus princípios absolutamente naturais. Pela vida a Natureza em composição criadora conduz seu processo até sua última síntese criativa, a singularidade abstrata, que é o princípio absolutamente humano da consciência de si. Parece ser muito mais difícil passar para a composição do que para a decomposição, para a singularidade abstrata e a pluralidade concreta do que para os átomos e o vazio. Pluralidade concreta dos seres e singularidade abstrata da consciência humana de si, pluralidade dos átomos e singularidade do vazio. Onde há mais mistério? No processo que conduz aos átomos e ao vazio ou no processo que conduz à pluralidade concreta e à singularidade abstrata? No processo que conduz da vida para a morte ou no processo que conduz da morte para a vida? No ser para a morte ou na morte para o ser?


O desvio da queda em linha reta dos átomos no vazio é a primeira manifestação singularmente abstrata da composição ou da singularidade abstrata da vida porque a partir dele tem princípio a composição e com ela a vida. E a singularidade abstrata só se apresenta completa e inteiramente como princípio absoluto da consciência humana de si, ou seja, ela é o desvio que vem desde a queda em linha reta dos átomos no vazio passando pelos diversos desvios da pluralidade concreta dos seres até chegar ao seu repouso na consciência humana de si, onde ela se afirma como desvio de toda a pluralidade concreta e se firma como singularidade abstrata, como puro desvio da linha reta, como pura linha curva, puro giro em torno de si mesma, pura revolução.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Morte do sujeito, vida da subjetividade e subjetividade-e-sujeito da morte (4)



O tema da morte do sujeito foi figurado por Althusser e Foucault no fim do século passado e é o mesmo tema da morte do homem e do humanismo que Nietzsche inspirou com sua lembrança constante de que "Deus está morto" e, muito mais ainda, com seu anúncio do advento do super-homem e da morte do homem.


O tema surgiu e acompanhou o processo de dissolução do sujeito revolucionário, seja do proletariado, seja da URSS, seja das ex-colônias. Ou seja, acompanhou o processo de constituição do que ficou conhecido como neoliberalismo e globalização. E, curiosamente, os novos sujeitos são as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais e também os trabalhadores e os pobres, ou seja, aquilo que se encontra presente nos chamados direitos humanos faz muito tempo, desde o surgimento da modernidade capitalista com a Revolução de Independência dos Estados Unidos e com a Revolução Burguesa Francesa e que é o direito humano de não sofrer nenhuma discriminação, seja religiosa, política, racial, sexual ou social. Ora, mas os tais novos sujeitos são na verdade os sujeitos dos direitos humanos nascidos e defendidos pela sociedade capitalista e tais velhos sujeitos da sociedade burguesa dão vida ao homem e ao humanismo.


No Brasil, por exemplo, este movimento de direitos humanos se constituiu em partidos políticos de oposição à ditadura militar e foi o PT aquele que conseguiu unificar e sintetizar os diferentes sujeitos dos direitos humanos num mesmo partido hegemonizado pelo direito do sujeito humano de não sofrer discriminação social ou de classe de modo que é esse direito social ou de classe que garante a reivindicação dos demais direitos de não sofrer discriminação política, religiosa, racial ou sexual. Os trabalhadores eram os sujeitos hegemônicos dos direitos humanos ao lado de outros sujeitos de direitos humanos, ou seja, eram os hegemônicos dentro do conjunto geral dos sujeitos humanos. Mais ainda: Os trabalhadores eram eles mesmos os sujeitos dirigentes do PT e não sofriam, como historicamente ocorrera com outros partidos dos trabalhadores, a enfermidade de perder a subjetividade a ponto de precisar que ela viesse de fora, viesse dos membros intelectuais burgueses do PT. No entanto, a verdade é que quanto mais cresceu o PT mais sua direção foi sendo hegemonizada pelos quadros políticos de origem intelectual burguesa e mais similar ele se tornou a um partido socialdemocrata europeu do final do século XIX, ou seja, portador da enfermidade que se desenvolve rumo à morte do sujeito. Mas, se é verdade que ele é portador dessa enfermidade também é verdade que a sua saúde e a saúde dos demais sujeitos humanos de direitos com os quais ele constituiu o partido não permite que a morte do sujeito se realize por completo de modo que a vida dos sujeitos humanos da sociedade capitalista permanece vigorando.


No mundo inteiro são estes novos velhos sujeitos humanos da sociedade burguesa que incessantemente aparecem fazendo as revoluções como as chamadas primaveras. São sujeitos das sociedades civis, dos movimentos civis, da vida humana civil burguesa. Sujeitos da vida capitalista e não sujeitos da morte capitalista. Eles, como sujeitos da vida capitalista, parecem muito mais próximos da morte do sujeito do que do sujeito da morte. Este sujeito da morte da vida capitalista é o sujeito da morte dos sujeitos da vida capitalista e também sujeito da morte do sujeito. Este sujeito da morte é uma chama devoradora dos sujeitos da vida e das mortes dos sujeitos. E como ele se constitui? Os sujeitos da vida capitalista terminam sendo a subjetividade capitalista, quer dizer, o sujeito capitalista. As mortes dos sujeitos da vida capitalista termina sendo a morte da subjetividade capitalista mas dum modo que institui uma objetividade sem sujeito, a qual, no fundo, é uma objetividade estrutural, cruel, enfim, capitalista. E o sujeito da morte? Ele é antes de tudo uma subjetividade da morte do capitalismo subjetiva e objetivamente. Ele é um sujeito que nasce no capitalismo mas que só pode se desenvolver devorando o capitalismo subjetiva e objetivamente. Se ele não devora o capitalismo ou quando ele não devora o capitalismo, então, ele, que nasceu no capitalismo, permanece nele em estado de dormência ou de mera subsistência, portanto, invisível, morto, quer dizer, permanece no mundo dos mortos, permanece no âmbito da morte e sem sair dela como sujeito, vontade ou chama devoradora da morte.

O sujeito da morte e a morte do sujeito (3)


A morte foi considerada por um discípulo como a essência da filosofia de Hegel. Sem a morte não há dialética, ou seja, sem ser-e-não-ser não há dialética.


Marx, um discípulo materialista de Hegel, considera que sair da filosofia para a prática, do idealismo para o materialismo, é sair do mundo filosófico dos mortos como vontade devoradora do mundo não-filosófico dos vivos dando vida prática à filosofia e suprimindo, melhor, dando morte teórica ao mundo, é uma troca onde a morte se torna viva e a vida se torna morta, a filosofia se torna mundo e o mundo se torna filosofia. A morte ou a filosofia se realiza como vida ou prática e o mundo se desrealiza (abstrai, dissolve, desmancha) como morte ou filosofia (teoria). Logo, se trata duma simples troca que é conduzida pela inveja que um tem do outro ou pela vontade devoradora de um voltado contra a vontade devoradora do outro.


A filosofia está situada no mundo da morte imortal e o mundo está situado no âmbito da vida mortal. A primeira quer a vida e a segunda quer a imortalidade, mas a vida que a primeira quer é mortal e a imortalidade que a segunda quer é a própria morte. Uma quer ser criação, a outra quer ser niilismo. Cada uma inveja o ser da outra. A morte imortal quer ser vida mortal e a vida mortal quer ser morte imortal. Uma quer a qualidade da outra e quer se livrar do seu defeito. A infinitude da morte imortal quer a finitude da vida mortal e a finitude da vida mortal quer a imortalidade da morte. Uma sai do niilismo para a criação e a outra sai da criação para o niilismo. Objetivamente apenas trocam de lugar, mas subjetivamente uma sai da morte para ganhar a vida e a outra sai da vida para ganhar a morte. Sair da universalidade infinita da morte imortal para entrar na singularidade finita da vida mortal é nascer. Sair da singularidade finita da vida mortal para entrar na universalidade infinita da morte imortal é morrer. Quem nasce é a vida e também é a vida quem morre. A vida é a singularidade finita da subjetividade que nasce e da subjetividade que morre. Melhor ainda: A subjetividade é a vida, mas não só a que objetivamente nasce e objetivamente morre, mas também a vida que subjetivamente quer nascer e subjetivamente quer morrer.


Não é suficiente ser vida mortal porque é preciso querer a vida mortal. Ora, sair do mundo dos mortos como vontade voltada contra o mundo dos vivos, quer dizer, sair do mundo da morte para ser vida mas por querer ser uma determinada vida e não aquela existente no mundo dos vivos porque ela é indesejável por parecer muito com o mundo dos mortos e, mais ainda, por nitidamente querer o mundo dos mortos. A vida aqui é uma vontade devoradora, uma mortalidade do mundo dos vivos, uma morte que adquire vida e vai devorando e, assim, vivendo até que definha e é devorada e morre. Já a morte é aqui uma vontade devoradora, uma imortalidade do mundo dos mortos, uma vida que adquire morte e vai se devorando e, assim, morrendo até desaparecer devorando tudo e se imortalizando.


Mas, qual é a singularidade do aspecto subjetivo desse processo de vir a ser o outro?!


É o querer ser vida mortal da filosofia. De modo que o mundo dos vivos que ainda quer ser vida mortal se beneficia da filosofia que quer ser prática, vida mortal, enquanto que o mundo dos mortos que ainda quer permanecer morte imortal se beneficia do mundo dos vivos que quer ser teoria, morte imortal. Devorar o mundo dos vivos para tornar o mundo ainda mais vivo e devorar o mundo dos vivos para tornar o mundo ainda mais morto. Liberar o nascimento das subjetividades no mundo dos vivos versus liberar a morte das subjetividades no mundo dos mortos. Libertar as subjetividades ou as forças humanas versus libertar a objetividade ou a força super-humana. Liberar e deixar viver as subjetividades para que venha a ser a humanidade ou a comunidade humana versus liberar e deixar morrer as subjetividades, os humanos, para que venha a ser o super-homem ou a universalidade imortal. Modificar as relações sociais para que venham a ser as subjetividades versus modificar as subjetividades para imortalizar as relações sociais.


Mas ambas posições podem se assemelhar. Por exemplo, ao par relações sociais de produção versus forças produtivas sociais pode corresponder com perfeição o par niilismo versus criação. Deixar viver as subjetividades criativas pode corresponder a deixar morrer as subjetividades niilistas e, desse modo, libertar a humanidade pode corresponder a libertar a super-humanidade. E isto precisamente porque é a subjetividade quem desempenha o papel principal em ambos os casos e ela pode vir a se transformar uma na outra e vice-versa. De modo que o critério do que seja vida criativa pode vir a variar nas situações finitas, nas singularidades, nas conjunturas.



sábado, 22 de novembro de 2014

Ainda as mortes nas almas (2)

O ser para a morte e a morte para o ser. O ser para a morte é uma vida dedicada à auto dissolução e a morte para o ser é uma morte dedicada à auto dissolução. No primeiro caso o princípio vital se dissolve para que tenha vez a morte. No segundo caso são os princípios da morte imortal que se dissolvem para que tenha vez o princípio da vida mortal. No primeiro caso a vida mortal que adentra a morte imortal não é de um fruto, de sementes, nem de princípios e, assim, ela não retorna como ser nem como espécie. No segundo é a morte imortal dos frutos, das sementes, dos princípios que retornam dando vida mortal aos seres e às espécies. O ser para a morte é assexuado e insensível e a morte para o ser é sexuada e sensível.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Vidas com a morte n'alma (1)




A morte é o tema permanente da provisoriedade da vida. A morte imortal, aquela que não pára de morrer nem pára de matar, deixa nos intervalos mortais as quantidades de espaços-tempos, quer dizer, as vidas mortais. Existem dois caminhos que, à maneira do antigo Tao dos chineses, acabam sendo a mesma coisa, quer dizer, o Tao. É possível observar a morte de toda a Natureza, perceber sensivelmente que tudo tem um tempo de vida e que a maioria dos fenômenos naturais se mostra como renovável sucessão de nascimentos, desenvolvimentos e mortes. Desse modo Lavoisier pôde dizer que "na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Com ajuda da imaginação é possível acompanhar a morte imortal, quer dizer, os fenômenos que não páram de morrer sob a forma de decomposições sem fim que vão até o infinito, até o infinitamente pequeno, até o indecomponível, o indivisível, o átomo (não-parte). Desse modo é possível concluir que a realidade objetiva e permanente é o mundo imperceptível e insensível dos átomos e que o mundo da percepção sensível da Natureza é pura aparência subjetiva e transitória. Portanto, a verdade da morte imortal são os átomos e o vazio e sua mentira a aparência subjetiva e transitória da percepção sensível da Natureza, quer dizer: A mentira da morte imortal é a vida mortal das percepções sensíveis da Natureza. Esta foi a conclusão à qual chegou o atomismo de Demócrito: Tudo que percebo é pura aparência subjetiva da vida mortal e tudo que racionalmente imagino é pura realidade objetiva da morte imortal, à primeira tenho acesso imediato mas é mera aparência e à segunda que é a pura realidade eu só tenho acesso imaginário, então o resultado é que minha prática é o ceticismo. Sou cego ou cético porque tudo que posso ver e tocar é falso, aparente e sou cego ou cético porque tudo que não posso ver nem tocar é verdadeiro. Epicuro, no entanto, diante da mesma situação de um mundo imperceptível e insensível dos átomos e do vazio e dum mundo da percepção sensível da Natureza chegou à conclusão oposta por considerar que a percepção sensível é pura realidade objetiva, logo, ela é objetivamente e/ou realmente transitória, provisória, transformável, enquanto que os átomos e o vazio são apenas imaginária e racionalmente concebíveis, quer dizer, são apenas conceitos subjetivos, logo, objetivamente e/ou realmente são apenas conceitos subjetivos, ou seja, a objetivação real da consciência de si do sujeito humano. Para Epicuro o mundo da morte imortal dos átomos e do vazio é realização objetiva da imaginação racional subjetiva, quer dizer, da consciência humana, da concepção humana, dos conceitos da consciência humana. É a mesma coisa que diz Demócrito dos átomos e do vazio, isto é, que eles existem na razão e são invisíveis e insensíveis. Então, qual a diferença? É que Demócrito quer alcançá-los dissolvendo a aparência subjetiva para poder atingir a realidade objetiva da razão, quer, portanto, a morte imortal. E Epicuro quer alcançá-los dissolvendo a realidade objetiva sensível e insensível para obter a construção da realidade subjetiva da razão, quer, portanto, a quase imortalidade vital da consciência humana, ou seja, a consciência humana da vida mortal que é a consciência humana de si. Enquanto a desindividuacão é o caminho ou o meio de Demócrito chegar à verdade, já é precisamente o oposto que é o meio ou o caminho de Epicuro para chegar à verdade: A individuação. Quem é mais atomista? Demócrito que dissolve tudo na universalidade dos átomos e do vazio ou Epicuro que dissolve tudo na singularidade da consciência humana?


Epicuro deixa os átomos e o vazio no mundo da morte imortal, inteiramente afastados da vida mortal, de modo que, para ele, eles morrem imortalmente como, aliás, ocorre com toda a Natureza de vida mortal e, assim, para ele, na vida mortal da Natureza só perdura e resiste como vida quase imortal aquilo que se encontra fora da Natureza mortal e fora dos átomos imortais e que é a consciência humana. Esta realidade subjetiva, esta singularidade fora da objetividade da Natureza mortal e da objetividade dos átomos imortais, esta realidade subjetiva exclusivamente humana se torna para Epicuro o verdadeiro princípio atomista, logo, é a consciência humana de si que se torna o princípio verdadeiro de Epicuro, portanto, seu princípio verdadeiro é a individualidade humana, melhor, a individuação humana. O átomo de Epicuro é a consciência humana de si. Mas, também não é esse o átomo de Demócrito? Também não é a consciência humana o único acesso real ao átomo, ao mundo dos átomos? Com certeza, até aí ambos concordam. Eles se separam quando decidem escolher quem é o verdadeiro: O caminho de acesso ou o que é acessado? A consciência que acessa o átomo ou o átomo que é acessado pela consciência? Epicuro escolhe a consciência do sujeito e Demócrito escolhe o objeto da consciência, um escolhe o sujeito consciente de si, o mundo humano, e o outro escolhe o objeto em si e para si da consciência, o mundo dos átomos e do vazio.


Demócrito pesquisa tudo e atravessa todo o mundo da percepção sensível com sua razão em busca permanente dos átomos e do vazio para além da aparência sensível. Epicuro cultiva um jardim (incluindo aí o significado de um pomar e duma horta) e nele permanece fruindo a percepção sensível dos seus odores, dos seus sabores e do convívio com os sujeitos que o cultivam junto com ele e com os sujeitos. que o apreciam junto com ele. Demócrito trata de ultrapassar e dissolver toda a aparência subjetiva para chegar à objetividade dos átomos e do vazio. Epicuro trata de cultivar toda a realidade objetiva para chegar ao cultivo da subjetividade de si mesmo. Um age de acordo com a desrealização da Natureza e o outro de acordo com a realização da Natureza. Um percorre o mundo inteiro, o outro permanece no seu jardim. Um é global, o outro é local. Um faz o incessante desenvolvimento de novos conhecimentos, de novos instrumentos de trabalho. O outro faz o repousante desenvolvimento das forças da Natureza e das forças humanas. Um é a indústria do mercado mundial e o outro é a agricultura do mercado local. Um é a artificialidade de novos fenômenos sensíveis, o outro é a naturalidade dos velhos fenômenos sensíveis. Na verdade, um é a artificialidade dos fenômenos sensíveis e o outro é a naturalidade das essências sensíveis.


Aquele que busca incessantemente os átomos e o vazio vai nesse percurso medindo, quantificando e classificando os diversos fenômenos e, desse modo, acaba determinando a objetividade deles, ou seja, ficando, para além da aparência subjetiva, com um mundo de objetos reais inteiramente medidos, certificados, determinados ou garantidos na sua objetividade e não com o mundo dos átomos e do vazio. Aquele que repousa continuamente no encontro consciente de si vai nesse descanso usufruindo de si e das qualidades essenciais da Natureza para si e, desse modo, vai dissolvendo a realidade objetiva e determinando a subjetividade das essências, ou seja, ficando, para além da realidade objetiva da Natureza, com um mundo de essências subjetivas inteiramente desmedidas, incertas, indeterminadas ou libertas na sua fantasia e não com o mundo da percepção sensível da realidade objetiva, mas sim com o mundo da consciência humana de si.


Um vai consumindo a aparência subjetiva em busca da realidade objetiva e, ainda que não encontre a realidade objetiva dos átomos e do vazio, ele encontra e determina a objetividade real de muita aparência subjetiva. O outro vai consumindo a realidade objetiva na construção da realidade subjetiva e, ainda que encontre a realidade subjetiva da consciência humana de si, ele também simplesmente suprime a realidade objetiva da percepção sensível.


"Tudo que é sólido se dissolve no ar". Se dissolve em átomos e vazio diz aquele que faz uma incessante revolução dos meios de produção. Se dissolve em consciências humanas de si diz aquele que faz uma perene conservação das forças produtivas naturais e humanas, quer dizer, uma perene supressão da produção natural e humana: Uma perene fruição da consciência humana de si.


Um concebe sua alma como de um ser para a morte. O outro concebe sua alma como uma morte do ser, melhor, concebe sua alma como a da morte para ser.