quinta-feira, 31 de março de 2016

Necessidade e acaso, instinto e desejo, irresponsabilidade total e responsabilidade parcial-e-total




Se tudo é determinado pela necessidade, então tudo é necessariamente determinado e obedece a uma força superior que é uma vontade com poder sobre tudo porque a vida está sob o poder dessa vontade, logo, é a própria vida que nos tem sob o poder de sua vontade e não nossa vontade que tem nossa própria vida sob nosso poder, porque, nesse caso, seria preciso que tudo fosse determinado ao acaso, logo, não fosse necessariamente determinado nem obedecesse a uma força superior, mas, ao contrário, fosse livremente determinado e obedecesse a uma força própria com poder exclusivo da vontade sobre sua própria vida, logo, é a nossa própria vida que está sob o nosso próprio poder, sob o poder da nossa própria vontade.


Se toda minha atividade é determinada pela necessidade, então a responsabilidade da minha atividade, dos meus atos e da minha vida é da necessidade que é uma força superior a mim. Eu só ajo e vivo de acordo com o que foi determinado pela necessidade e, por isso, eu não sou responsável por mim mesmo, por meus atos e por minha vida. Ao contrário, essa força superior é responsável por minha vida, por meus atos e por mim mesmo. Essa força superior que toma de mim a vida, meus atos e eu mesmo se impõe necessariamente, quer dizer, de forma instintiva.


Se toda minha atividade é determinada ao acaso, quer dizer, se toda minha atividade fosse livremente determinada, então, parte dela seria de minha exclusiva responsabilidade, quer dizer, obediente à minha própria força, e parte dela seria da responsabilidade de uma força exterior, obediente à sua própria exterioridade, mas, que pode ser mudada, por ser livremente determinada e por não ser necessariamente determinada. Se posso agir e viver de acordo com o que for livremente determinado, então, posso ser responsável por mim mesmo, por meus atos e por minha vida, ainda que a exterioridade e os outros sejam igualmente responsáveis por si mesmos, por seus atos e por suas vidas/próprias forças. Então, essa força livremente determinante da minha própria responsabilidade e da responsabilidade alheia me libera para que tome e cuide da minha vida, dos meus atos e de eu próprio bem como libera a exterioridade e os demais para que tomem e cuidem de suas vidas, dos seus atos e deles próprios, portanto, esta força livremente determinante se distribui livremente e/ou igualmente, quer dizer, de forma desejante. No que é necessariamente determinado ocorre necessariamente guerra e/ou necessariamente paz, enquanto que no que é livremente determinado pode ocorrer livremente guerra e/ou pode ocorrer livremente paz. Quando o instinto determina, tudo indica que só há paz quando a guerra não pode mais necessariamente ser feita. Quando o desejo determina, tudo indica que a paz e a guerra podem ser feitas livremente de modo que só há paz quando há coincidência entre o desejo que muda ou determina livremente as circunstâncias e o desejo que muda ou determina livremente a si próprio.


Todo aquele que é determinado pela necessidade ou pelo instinto não é senhor de si nem é responsável por sua vida, logo, é inteiramente irresponsável e não comete nenhum crime de responsabilidade por não ser responsável por si mesmo, por seus atos e por sua vida.



Já aquele que é determinado pelo acaso ou pelo desejo é senhor de si mesmo e responsável por sua própria vida, logo, é parcialmente responsável e passível de cometer algum tipo de crime de responsabilidade por ser responsável por si mesmo, por seus atos e por sua própria vida, ainda que não seja e/ou não consiga ser responsável pela atividade dos outros, pelos atos alheios e pelas vidas alheias. Mas, se houver coincidência entre sua responsabilidade por si mesmo e sua responsabilidade pelos outros, então, poderá ser inteiramente responsável e passível de cometer todo e qualquer tipo de crime de responsabilidade.


O que acontece nos diversos grupos que usam o método desenvolvido pelos AA (Alcoólicos Anônimos)? Descobrem a impotência frente à determinação de uma força que se impõe necessariamente como dependência, carência, necessidade aos indivíduos; mas também descobrem a determinação de uma força superior que se faz presente quando conversam no grupo a respeito da impotência frente à força superior que se impõe como necessidade, dependência, carência. E esta força superior, que se faz presente quando conversam uns com os outros, mas também, quando sozinhos, se entregam à superioridade espiritual dessa força, certamente, é uma força espiritualmente superior à força necessariamente superior, mas, o que é uma força espiritual superior à força determinante do instintivo? É a força do espírito que se tornou livre em si mesmo, quer dizer, do espírito que se tornou livre do instinto porque se tornou livre em si e por si mesmo, ou seja, se tornou livre porque acessou a si mesmo, quer dizer, ao que é propriamente espírito/espiritual e que é o desejo por oposição ao instinto, melhor, o sujeito por oposição ao objeto. Então, o desejo se faz presente quando os indivíduos se reúnem em seu nome tal qual Cristo teria dito que estaria presente quando se reunissem em seu nome, ou seja, o desejo e o espírito livre em si mesmo são livres determinações da essência subjetiva, do sujeito e que contrariam a necessidade e o espírito aprisionado em si mesmo que são determinações necessárias do fenômeno objetivo.


Qual o crime da Dilma? Se caracteriza como crime de responsabilidade? Qual o crime do Cunha? E como está caracterizado nos processos nos quais já é réu no STF? Dilma cometeu um crime de responsabilidade ou é a turma determinada pelo instinto que irresponsável e necessariamente está carimbando nela um crime de responsabilidade? Essa turma age movida exclusivamente por instinto e necessidade ou também é movida por desejo e livre determinação, quer dizer, é totalmente irresponsável ou, no mínimo, é parcialmente responsável por seus atos?!


A tragédia grega "Édipo-Rei" é a peça na qual ocorre um Impeachment que obedece o determinismo pela necessidade, de modo que Édipo se descobre culpado por ser obediente a uma força superior, quer dizer, por não ser sujeito dessa força determinante e sim objeto determinado por ela. Mas, não é esse o Impeachment que se faz na atualidade. Porque não se trata duma determinação inconsciente da qual se toma consciência tardiamente ou a posteriori como ocorre com Édipo e sim duma determinação consciente da qual todos transparentemente tomam consciência precavidos pela lei feita a priori ou previamente pelo Legislativo.


A tragédia grega "Prometeu Acorrentado" é a peça na qual enquanto ocorre um Impeachment que parece obedecer o determinismo da necessidade nós ouvimos o discurso de Prometeu se assumindo responsável por roubar e dar a centelha celeste/o fogo à humanidade por obedecer a uma força própria, quer dizer, por ser sim sujeito dessa força determinante da entrega do fogo à humanidade e não um objeto irresponsável por seu ato. Ouvimos Prometeu mostrando no seu discurso como Zeus, aquele que o faz sofrer o Impedimento, age de maneira inteiramente irresponsável e desobediente a qualquer lei, mesmo aquela que impôs a Prometeu, a de destruir a humanidade e que Prometeu não cumpriu. Isto porque Zeus sentindo atração por uma humana em lugar de destruí-la ou ignorá-la, de acordo com sua lei, cuida de arranjar um jeito de possuí-la. E Prometeu mostra que Zeus fará isso sistematicamente de modo que terá um filho meio humano e meio divino e será exatamente este filho, Herácles, que irá libertar Prometeu do Impedimento imposto por Zeus. Se trata então duma consciência que sofre injustamente o Impedimento, mas que com sua consciência a priori ou previdente revela todas as determinações irresponsáveis mantidas inconscientes pelo interesseiro poder de Zeus (determinado pelo instinto ou pelo desejo?!).





  

quarta-feira, 30 de março de 2016

Tudo é...




Tudo é simples, muito simples, tão simples que é simplesmente inimaginável.


Tudo é complexo, muito complexo, tão complexo que é complexamente ininteligível.

Planejamento inicial: um mesmo diferente?!





ATOMISMO GREGO E ECONOMIA DE MERCADO ESCRAVISTA: DETERMINISMO E ACASO


Parece que conseguimos relacionar o estudo de Marx do atomismo grego com o estudo de Marx da economia política. No atomismo grego, ele se ocupou da contradição entre o atomismo de Demócrito e o de Epicuro. Na economia política moderna, ele se ocupou da contradição entre o capitalismo da burguesia e o comunismo do proletariado, argumentando que a contradição da burguesia versus o proletariado conduzia a economia política do capitalismo para o comunismo.


O atomismo de Demócrito se desenvolve junto com a Grécia que está se tornando conhecida por todo o mediterrâneo e oriente com sua economia de mercado, de modo que todos os povos conhecem as mercadorias dos mercadores gregos.


O atomismo de Epicuro se desenvolve junto com o processo de decomposição do império alexandrino, o primeiro império mundial na região do mediterrâneo, ou seja, a economia de mercado dos gregos tinha chegado ao auge do seu domínio e estava em crise e em processo de decomposição do império de sua economia de mercado. Processo longo que será sucedido pela ascensão de Roma e do império romano na mesma região.


O atomismo de Demócrito não só se desenvolve junto com a expansão da economia de mercado da Grécia, mas também defende o determinismo do sistema atomista como forma eterna ou de eterno retorno do atomismo e do determinismo da economia de mercado.


O atomismo de Epicuro não só se desenvolve junto com o processo de decomposição do império da economia de mercado grega, mas também defende o acaso do sistema atomista como forma de morte ou de dissolução do atomismo e do determinismo da economia de mercado. O epicurismo, essa nova modalidade do atomismo dissolvido, migra para Roma e nela adquire cidadania romana, melhor, se mostra uma das formas de filosofar/pensar características da cultura romana. Este sistema do acaso que dissolve o atomismo também está disposto a dissolver todo e qualquer determinismo, logo, está disposto a dissolver o determinismo da economia de mercado.


Demócrito era uma espécie de MacGyver, personagem de série da tevê dos EUA, porque com os conhecimentos positivos, técnicos, eruditos que possuía conseguia ser e viver “como um peixe dentro d’água” no determinismo da economia de mercado. Epicuro era um espécime mais complexo, que vem sendo comparado a muitos outros personagens da história do pensamento, e o mais provável para que isso ocorra é precisamente porque com seus conhecimentos filosóficos, conceituais, autodidatas conseguia ser e viver “como um peixe dentro d’água” no acaso dissolvente da economia de mercado. Epicuro, ao contrário de Demócrito que participava e vivia no movimento incansável do mercado para toda parte, vivia no movimento de repouso participando da inércia vegetativa do seu jardim como quem, no máximo, pratica “pique no lugar”, tal qual um personagem esportista de Chico Anysio. O epicurismo ficou conhecido por todo lado como o pensamento de quem está interessado no prazer, na amizade, enfim, no aproveitar a vida e/ou na fruição da felicidade de viver. Mais do que isso, o epicurismo ficou conhecido como sendo inseparável duma prática humana comum, comunitária, quer dizer, quase que uma prática impossível sem a associação humana.


O determinismo da primeira fase do desenvolvimento histórico do atomismo grego é inseparável da atividade de Demócrito. Mas, é curioso que a época da atividade de Demócrito também seja a da primeira fase da expansão histórica do determinismo da economia de mercado grega.


A época de Epicuro é imediatamente posterior à segunda fase da expansão da economia de mercado e é marcada pela passagem histórica do determinismo para o acaso. Em que sentido? Como se explica isso? Parece que na primeira fase o sistema econômico é dominado pelo determinismo de mercado por estar em expansão e penetrar nas diferentes partes do mundo com as mercadorias oferecidas como produtos que satisfazem as diferentes necessidades das diferentes partes do mundo. As relações com as diversas partes do mundo são predominantemente comerciais, diplomáticas, no sentido de que a conquista grega das regiões do mundo é a conquista dos mercados dessas regiões do mundo. Já na segunda fase as relações predominantes com as diversas regiões do mundo são guerreiras e militarmente impostas por Alexandre, ou seja, agora são as próprias regiões que são conquistadas pelo poder político de Alexandre vindo a constituir um império do macedônio, enfim, nessa segunda fase surge para além e acima da economia de mercado o poder imperial do estado. A época de Epicuro é imediatamente posterior a esta segunda fase, ela acompanha o período posterior à morte de Alexandre e da divisão/decomposição do império alexandrino, de modo que o mercado único imperial, quer dizer, o mercado mundial, agrupando as regiões do império alexandrino numa mesma unidade da diversidade, permanece existindo durante a decomposição do estado do império alexandrino em diferentes satrapias, mas, agora, a relativa abundância do mercado mundial não só ocasionou uma dissolução do império como também mudou a relação predominante na economia de mercado, ou seja, o determinismo da economia de mercado de penetrar por todo lado e constituir um mercado mundial, este determinismo que serviu de base para a conquista política e constituição do império de Alexandre entrou em crise porque o mercado mundial se tornou demasiadamente abundante, demasiadamente rico de mercadorias, de população, de cultura internacional, demasiadamente rico de consumidores, enfim, com excesso de mercadorias para satisfazer as necessidades da população mundial da economia de mercado e, desse modo, com esta abundância de produtos a satisfação das necessidades deixou de ser determinista, porque com menor quantidades de produtos mercantis a população mundial conseguia satisfazer suas necessidades. Isso permitia desenvolver uma relação de acaso com a economia de mercado, desenvolver uma relativa independência e indiferença para com o conjunto abundante das mercadorias do mercado mundial de modo a se restringir por meio de livre escolha àqueles produtos que são naturais e necessários dentre a enorme variedade de produtos naturais e necessários equivalentes. Desse modo, não foi apenas o poder local das satrapias mas também o poder local das populações do mercado mundial que restringiram o determinismo do mercado mundial e expandiram o acaso do mercado por toda parte.


Como? A economia de mercado da época tinha na sua base o escravismo. E o escravo era uma mercadoria que participava da produção de mercadorias da economia de mercado, mas os produtos que consumia, para continuar produzindo mercadorias, não eram mercadorias porque o escravo estava impedido de adquirir mercadorias, então, ou eram produtos que produzia para o seu consumo fora da circulação das mercadorias, ou eram produtos para o seu consumo fora da circulação das mercadorias adquiridos pelo seu senhor/seu dono na esfera da circulação das mercadorias mas apenas como despesa crescente e sem nenhum retorno imediato, melhor, esta despesa crescente só era compensada quando outros senhores adquiriam igualmente mercadorias uns dos outros para gastar com a manutenção de seus escravos. Com a consolidação do mercado mundial existia a abundância de mercadorias e esta abundância requeria maior número de consumidores, mas com a consolidação do mercado mundial o aumento do número de consumidores não se fazia mais pela expansão geográfica extensiva do mercado e sim pela possível expansão geográfica intensiva do mercado. Ora, de imediato, isto requeria um aumento da população livre e proprietária de fontes da vida, já que a economia de mercado se baseava no escravismo e o aumento do consumo de mercadorias que, imediatamente, não significasse despesa e sim ganho era representado pelo aumento dos compradores de mercadorias, ou seja, pelo aumento da população dos chamados “homens livres” e proprietários de bens imóveis (terras, casas etc.) e móveis (rebanhos, escravos etc.).


A intensificação do mercado levava a um aumento do número dos homens livres e dos proprietários e, desse modo, modificava as paisagens locais das diferentes regiões do mercado mundial, quer dizer, aumentava a relação de exploração mais intensa e localizada do mercado mundial, o que se refletia nas satrapias, mas também no surgimento do atomismo de Epicuro que, além de se dedicar a uma intensidade da produção local do seu jardim, ainda era capaz de ir bem adiante, libertando seus escravos e convivendo com eles na produção comunitária do seu jardim.


TRANSGRESSÕES


Pois bem, eu acho que cometi transgressões. A explicação da necessidade em Demócrito e do acaso em Epicuro feita por Marx, a meu ver, deixa a desejar. Porque? Porque ele explica de forma clara o uso da necessidade como explicação por Demócrito, mas de passagem, ele adianta que uma tradição, que ele Marx coloca sob suspeita, diz que Demócrito parece atribuir o acaso como explicação da criação do mundo de modo que "Demócrito teria feito do acaso o mestre absoluto do universal e do divino e afirmado que nesse plano ele regeria tudo, enquanto que ele o teria afastado da vida humana e da natureza empírica, tratando como inteiramente loucos aqueles que o proclamam".  Então, por mais que Marx insista em dizer que Demócrito apenas parece atribuir o acaso como explicação "do universal e do divino" ele deixa o uso do acaso de Epicuro como explicação de tudo muito enfraquecido, porque os exemplos que cita de Epicuro como uso do acaso como explicação são todos referentes ao cosmo, quer dizer, ao universal e todos referentes ao que não está em nosso poder conhecer direta e particularmente, ou seja, o uso do acaso como explicação parece ser o mesmo uso feito por Demócrito por ficar limitado ao universal, ao cósmico.


A questão é outra, quer dizer, o uso do acaso como explicação por Epicuro não está limitado ao cósmico e universal, como a gente sente e percebe quando ele diz que algumas coisas são fortuitas e outras dependem de nosso arbítrio e completa este pensamento dizendo que estão abertas por toda parte as vias que levam à liberdade, numerosas, curtas, fáceis. Porque ninguém pode ser detido em vida, posto que domar a necessidade ela própria é coisa permitida. Ora, a gente sente que ele não está se referindo ao cósmico nem ao universal e sim ao particular e singular que explicados pela necessidade nos aprisionam no infeliz reino da necessidade, enquanto que explicados pelo acaso nos liberam no feliz reino da liberdade. As circunstâncias explicadas como exclusivamente necessárias requerem para a sua compreensão, a compreensão da sua necessidade, igualmente uma educação necessária, desse modo, somos produtos das circunstâncias e da educação, quer dizer, produtos necessários duma estrutura necessária que é a estrutura determinista da necessidade, daí a minha referência ao estruturalismo. Já as circunstâncias explicadas pelo acaso admitem não ser exclusivas, quer dizer, admitem a existência da necessidade, mas então requerem para a sua compreensão uma multiplicidade de explicações, a compreensão do seu acaso de ser circunstância casual e/ou de ser circunstância necessária supõe para a sua constituição uma educação voluntária que muda a circunstância casual e uma educação voluntária e necessária que muda a circunstância necessária ao mesmo tempo que muda a si mesmo, quer dizer, que sua vontade é mudada pela educação necessária e pela educação voluntária, posto que domar/dominar a própria necessidade é coisa permitida pela vida/por quem não pode ser detido em vida. Deu para perceber que essa explicação pelo acaso de Epicuro referida ao casual e à vontade lembra as usadas por Marx quando, nas suas teses sobre Feuerbach, se refere à prática revolucionária como "a coincidência (acaso) da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou autotransformação", quer dizer, quando, em lugar de se referir ao cósmico e universal, se refere ao particular e singular, às condições práticas de vida e/ou à ética, logo, se Marx usasse os critérios do prazer da ética de Epicuro (e ele se refere ao prazer e não ao instinto nem à necessidade - numa passagem dessa parte da tese de Marx Demócrito aparece considerando que "(...) a substância da necessidade seria a antipatia, a impulsão da matéria", a tal ação e reação ou aquilo que na mecânica de Newton, tira o corpo da inércia - teria usado algo similar a Demócrito que são os prazeres naturais e necessários, os naturais e não necessários e os que não são naturais nem necessários e veríamos Epicuro escolhendo os naturais e necessários como os mais usuais, os naturais e não necessários como de uso moderado e os não naturais nem necessários que devem ser evitados no uso, logo, Epicuro parece recorrer tal qual Demócrito à necessidade, mas para explicar o prazer ou a simpatia e não o destino ou a antipatia. 


Outro problema decorrente das minhas transgressões, quer dizer, da minha angústia e ansiedade se apresenta no texto porque eu forço a barra e introduzo algo do mundo capitalista da época de Marx (e da nossa, é claro) numa época de economia escravista de mercado. Mesmo que seja verdade que Epicuro liberta seus escravos e, desse modo, se manifeste favorável ao trabalho livre, não parece ser possível dizer com certeza que ele suprimia a economia de mercado dando preferência a uma economia de subsistência ou se com o acaso e a libertação de seus escravos ele promovia a mudança da economia escravista de mercado para a economia assalariada de mercado, quer dizer, a mudança de uma economia de trabalho determinista de mercado para uma economia de trabalho livre/casual de mercado. Tampouco parece natural fazer de Demócrito um senhor do trabalho e dos meios de produção, quer dizer, um escravo que se torna senhor pelo domínio do trabalho e dos meios de produção, já que na economia escravista de mercado todos os senhores dominam o trabalho e os meios de produção como seus donos, logo, teria de atribuir a todos eles a condição de escravos que se tornam senhores pelo domínio do trabalho e isto parece muita transgressão, posto que o senhor se impõe como senhor ao escravo por não temer a morte e se aproveitar do temor da morte do escravo para impor a escravidão ou o trabalho forçado do escravo enquanto o senhor permanece livre do trabalho ou então exerce o trabalho livre. E Demócrito parece corresponder muito mais àquele que, fazendo parte do mundo dos senhores, exerce o trabalho livre e viaja por toda parte tanto na condição de senhor que dispõe de mercadorias para trocar nos diferentes mercados quanto na condição de senhor que aprende as diversas artes, técnicas, ciências, saberes desenvolvidos no exercício do trabalho livre. Ao contrário, Demócrito, com suas viagens pelo mundo inteiro tendo por finalidade maior o aprendizado dos saberes positivos, parece se situar na afirmação e desenvolvimento do trabalho livre, quer dizer, da força humana de trabalho, mas, como esta na sua época é escrava, então ele admite que não só a escravidão resulta do determinismo, mas também o próprio trabalho livre é resultante do determinismo da necessidade da economia de mercado, de modo que o seu desenvolvimento está ligado à expansão do mercado, portanto, é certo que o desenvolvimento da erudição dos saberes positivos, empíricos, técnicos de Demócrito é inseparável da própria expansão do mercado da economia escravista. Epicuro, numa fase após o império de Alexandre, quando o mercado se expandiu ao máximo e para continuar seu desenvolvimento se voltou para o interior, o mercado interno, com sua fixação no seu jardim tendo por finalidade maior vivenciar a amizade e o prazer, parece se situar na afirmação e desenvolvimento da propriedade dos meios de produção, mas de um modo que muda a propriedade senhorial estritamente privada para associada e muda mais ainda ao admitir que seu sistema econômico de produção não usa mais o trabalho escravo e sim o trabalho livre, portanto, se existe ainda alguma correspondência com a minha transgressão ela se deve à permanência do escravismo com Demócrito por mais que ele tenha desenvolvido o trabalho livre e à supressão do escravismo com Epicuro por menos que ele tenha desenvolvido a propriedade comum dos meios de produção no seu jardim, logo, se o atomismo determinista de Demócrito corresponde à luta para desenvolver a força humana de trabalho livre então o atomismo ao acaso de Epicuro corresponde à luta para desenvolver a supressão da força humana de trabalho escravo. Saber se a resultante da atividade de Epicuro seria a economia de mercado capitalista do trabalho livre assalariado, a economia comunista do trabalho livre ou economia comunitária do servos pode ser relevante para a nossa imaginação, mas na história a presença do epicurismo ocorre em Roma, que se torna o novo império da economia escravista de mercado, e reaparece nos modernos, por exemplo, em David Hume (citado na aula online pelo Clóvis de Barros: https://www.youtube.com/watch?v=3X2aolzrPAw )
que coloca, tal qual Epicuro, a percepção sensível ou a sensibilidade como critério básico e fundamental. David Hume foi amigo e influência no pensamento de Adam Smith, logo, o epicurismo chega aí como economia de mercado capitalista do trabalho livre assalariado. Porém, Marx se baseava na crítica da economia política clássica, em especial, a de Adam Smith e David Ricardo, dos quais se dizia discípulo crítico por ter adotado a teoria do valor-trabalho igualmente de forma crítica. Ou seja, é aí, agora sim, de forma clara, que se situa o mesmo procedimento expresso na tese sobre Demócrito e Epicuro, onde o atomismo do primeiro é submetido à crítica até ser dissolvido no que é chamado de ciência natural da consciência humana de si. Logo, Marx submete à crítica a economia política clássica e sua teoria do valor-trabalho de modo a chegar à sua dissolução no que chama de ciência social da comunidade humana, ciência social ou de si da emancipação humana ou ciência humana do comunismo.



Finalmente, acho que fica claro minha necessidade de ler, ouvir e trocar opinião, já que, acredito, sem ela eu não consigo avançar no meu próprio esclarecimento. Mas, aqui, esta necessidade não é necessariamente a de entrar no mundo acadêmico, mas é sim a necessidade de livremente compartilhar do mundo da amizade, é a necessidade de amigos como prazer natural e necessário. Em todo caso, permanece de pé o problema a resolver: como superar o mercado? Escrevo a respeito, mas nada está resolvido nem acredito que estará em breve, talvez até, nunca esteja, mas aí entramos com o mercado no fim da história e/ou no eterno retorno da sociedade e economia de mercado. Porém, será que não é possível que a história continue e que o eterno retorno e/ou a repetição só exista como farsa? E, nesse caso, o mercado em eterno retorno não será uma farsa e, portanto, inexistente como forma de vida autêntica, logo, não somos nós que não sabemos pensar exceto necessariamente com o mercado?


SABER VIVER


É desgastante não saber viver e querer superar essa ignorância se dedicando ao estudo para aprender e adquirir o saber para poder viver.


O desgaste e a ignorância só aumentam por meio do tal estudo como se este só funcionasse para afastar ainda mais do saber viver, como se o tal estudo fosse o desenvolvimento dum obstáculo que continuamente cresce e interdita o acesso ao saber viver. Obstáculo que interdita como um fosso, um abismo, um muro, uma redoma porque a liberdade do estudante termina onde começa a liberdade do outro, portanto, porque não existe nenhuma ponte que possibilite que a liberdade de cada estudante comece com a liberdade do outro, ou seja, nenhuma ponte que libere para o encontro do estudante com o outro, para o encontro do estudante não só com o estudo, mas também com o conhecimento e fruição do saber viver.


Ainda mais quando este tal estudo parte de uma tese, segundo a qual dois estudiosos que encontraram a ponte que os levou ao mesmo saber viver, o atomismo grego, em seguida se distanciaram por completo, com cada um se opondo ao outro numa construção duma interdição completa entre eles, de modo que a liberdade de cada um, não só terminasse quando tinha início a liberdade do outro, mas o que é pior como se a liberdade de cada um significasse a supressão da liberdade de cada outro, tamanho o grau de antagonismo desenvolvido entre eles, quer dizer, eles não conseguem permanecer nos limites de cada um e agem como se a liberdade de cada um só fosse possível suprimindo a liberdade do outro. A liberdade de cada um só começa quando termina com a liberdade do outro, logo, a redoma de um suprime a redoma do outro.


A ponte e o encontro de ambos no mesmo saber viver são temporários, na verdade, só servem para que o saber viver de um destrua o saber viver do outro, aliás, será mesmo que cada um deles sabe viver?!


Bom, sendo claro, eu estudo a tese de Marx, sobre o atomismo de Demócrito e o atomismo de Epicuro, visando aprender o saber viver. E, por mais que eu estude, nunca aprendo a viver nem mesmo a compreender a tese de Marx. E, como isso é muito desgastante e cada vez me torna mais ignorante do viver, eu tenho vontade de dar fim a este estudo com o qual viso saber viver e só aprendo a ignorar o viver.


Se meu estudo de como saber viver só me ensina como ignorar viver, então, talvez, esta contradição possa chegar ao resultado oposto se mudar a orientação do meu estudo para como ignorar viver e, desse modo, aprender como saber viver. Que coisa infantil é essa? E, como se pode realizar uma tal mudança tão simplória? Sim, porque o objeto do estudo do saber viver se situa, por incrível que pareça, na tese de Marx sobre Demócrito e Epicuro e se tem me ensinado a ignorar viver, então, como mudo a orientação do meu estudo para como ignorar viver? Não mudo, porque já mudei, posto que aprendo apenas como ignorar viver? Nesse caso, como faço o truque de me dedicar a estudar como ignorar viver para obter como resultado o ensinamento de como saber viver?


Estabeleci na condição de sujeito como objeto de estudo o saber viver presente na tese de Marx sobre Demócrito e Epicuro e o resultado obtido na minha condição de sujeito foi aprender a ignorar viver, quer dizer, a mudança oposta àquela que visava efetivar na minha condição de sujeito. Então, agora, o que fazer? Estudando o saber viver de Demócrito e Epicuro presente na tese de Marx aprendi a desenvolver a ignorância de viver, quero dizer que iniciei o estudo para saber viver com alguma ignorância de viver e com o progresso do estudo multipliquei por muitas a minha ignorância de viver. O sujeito, que queria aprender a saber viver, ao que parece, não aprendeu a saber viver, mas aprendeu a desenvolver a si mesmo, quer dizer, a sua condição de sujeito ignorante do viver. Que significa isso? Talvez signifique a impossibilidade de aprender a viver estudando o saber viver dos atomistas gregos presente na tese de Marx porque este aprendizado do saber viver dos atomistas gregos presente na tese de Marx não é nem pode ser obtido pelo estudo e sim pela prática do viver, ou seja, é preciso adotar o saber viver estudado como prática, logo, é preciso aplicar na prática o que se estudou. Talvez, então, o ignorante do viver, que é o mesmo sujeito que faz este estudo do saber viver, precise aplicar na sua subjetividade, no seu viver o saber dos atomistas gregos. Ué, mas não era isso que ele pretendia?! Não estou entendendo?! Nem eu!!


Talvez o estudante ignorante do viver tenha se mantido sempre o mesmo sujeito ignorante do viver porque no seu estudo manteve sempre como objeto o saber viver de Demócrito e Epicuro da tese de Marx, desse modo nunca arriscou colocar como objeto a condição de estudante ignorante do viver que incorpora como sujeito o saber viver dos atomistas gregos, nunca arriscou dar vida ao saber viver dos atomistas gregos por aplicá-los no seu próprio viver. Será que é isso?!


O afeto principal de Demócrito é “a impulsão da matéria, o movimento, a antipatia” e o afeto principal de Epicuro é “a ataraxia da consciência de si, o repouso, a apatia”. Guerra e tragédia se fazem com “a impulsão da matéria, o movimento, a antipatia”, mas como fazer a paz e felicidade em meio à guerra e tragédia? Através da “ataraxia da consciência de si, do repouso, da apatia”. A admiração de Nietzsche por Demócrito é muito clara, já a sua admiração por Epicuro é um tanto obscura. Nos seus estudos denominados de “A filosofia na época trágica” Nietzsche se dedica ao conjunto dos filósofos que, tradicionalmente, são chamados de filósofos da natureza e/ou pré-socráticos. E, apesar de só ter tido acesso a trechos desses estudos citados junto com trechos dos estudos de outros filósofos sobre o mesmo tema, é visível o destaque dado a Demócrito dentre todos os trechos extraídos da citada obra de Nietzsche. Nietzsche adotará muito de Demócrito ou reforçará muito de si mesmo confirmando com o que já foi elaborado, dito e vivido por Demócrito. O determinismo da necessidade, que tem por substância a impulsão da matéria, o movimento, a antipatia, é adotado por Nietzsche com total simpatia e empatia como o próprio e essencial da dramaturgia trágica com sua configuração do destino inexorável. Já Epicuro, que não pertence a este ciclo e que, além de pós-socrático, é pós-aristotélico, é inicialmente criticado por afirmar a existência de algo escondido por detrás da aparência e/ou por se esconder por detrás da aparência, o que para Nietzsche é um engodo, uma mentira, pois não há nada escondido por detrás da aparência nem há como se esconder por detrás da aparência e só existe mesmo é a própria aparência sem nada por detrás, ou seja, segundo Nietzsche, o clinâmen, a declinação ou o desvio da queda em linha reta, que, segundo os epicuristas, constitui a subjetividade ou o sujeito, não passa duma forma de manifestação daquilo que, na “Genealogia da moral”, Nietzsche chamou de inversão dos valores feita pela revolta dos escravos na moral, ou seja, Epicuro não passa de um escravo revoltado que inverte os valores na moral passando a fazer valer como força e caráter a sua fraqueza e ressentimento escondidos sob a sua aparência de fraqueza e ressentimento, logo, na verdade, Nietzsche considera que Epicuro tem por detrás da aparência da fraqueza e do ressentimento a própria fraqueza e ressentimento e não como Epicuro pretende a força e o caráter da sua essência subjetiva, da subjetividade e/ou do sujeito. Porém, em outro momento, Nietzsche encontra identificação com Epicuro ao classificar a ambos de “os póstumos”, o que significa admitir que identificou sua vivência de “interdito” com a vivência de Epicuro nos limites de seu jardim e que previu para sua obra uma liberação e um sucesso similar ao de Epicuro que, depois de sua morte, floresceu na multiplicidade de seguidores epicuristas não só na Grécia, mas em Roma, no império romano, na modernidade e na contemporaneidade. E isso ocorre porque Nietzsche se identifica com Epicuro ao considerar que ele Nietzsche estava sendo vítima da inversão dos valores feita pela revolta dos escravos na moral, ou seja, ele, Nietzsche, um senhor pleno de vitalidade, força e caráter estava contínua e perseverantemente sendo interdito sob a inversão dos valores que vestia, carimbava e/ou selava com a aparência da fraqueza e do ressentimento do escravo. Nietzsche percebe que sua opinião anterior sobre Epicuro possui as mesmas características do destino inexorável que está vivenciando com a interdição de sua força e caráter sob a aparência da fraqueza e do ressentimento com a qual vem sendo contínua e perseverantemente carimbado. É aí que ele decide acreditar que é um póstumo, tal qual percebeu, agora, que Epicuro o fora, quer dizer, é um pensador interditado e enterrado em vida, mas que, dedicado à sua obra, mesmo mantido à margem do viver, logo, declinando do viver oficial e, com sua força e caráter, existindo num intermundo, que, tal qual semente, irá desabrochar e florescer como “póstumo”.


As obras de Nietzsche que se mostram cheias de vida, de imaginação, de criatividade, de invenção são predominantemente de acordo com o determinismo de Demócrito porque este é próprio do destino inexorável da tragédia e da filosofia da época trágica. E Nietzsche é aquele que assume trazer o trágico para a filosofia de sua época, aliás, ele se propõe mais, porque se assume como o anunciador da vinda duma nova época trágica para a filosofia. Ora, Nietzsche, ao contrário de Marx, atribui ao determinismo ou à dramaturgia da necessidade de Demócrito o uso da imaginação cheia de vida, criatividade e invenção, por outro lado, também ao contrário de Marx, atribui à possibilidade abstrata/escondida ou à dramaturgia do acaso de Epicuro o uso do entendimento cheio de ressentimento, inversão dos valores e niilismo. Mais ainda, atribui a Demócrito a embriaguez dionisíaca do determinismo ou dramaturgia da necessidade e atribui a Epicuro a aparência apolínea da possibilidade abstrata/escondida ou dramaturgia do acaso.


Com efeito, a dramaturgia da necessidade de Demócrito tal qual a de Édipo é cheia de aventuras de viagens, de conhecimentos, seja decifrando um enigma, seja investigando um crime, seja recusando a coroa real para descobrir uma nova etiologia etc., enquanto que a dramaturgia do acaso de Epicuro tal qual a de Prometeu é vazia pela desventura do sedentarismo, do pensamento fixo, seja de entrega da centelha à humanidade, seja de entrega da humanidade ao filosofar, seja de entrega à ataraxia da consciência humana de si etc. Demócrito na hora que a morte se aproxima está na companhia da irmã e consegue adiar a sua morte para que ela possa participar dum festival dos deuses na cidade de Abdera; é curioso, mas Édipo se aproxima do seu túmulo na companhia de sua irmã Antígona, que também é sua filha, e adianta sua morte para que ela possa retornar a Tebas para participar do enterro de seu irmão. Epicuro na hora que a morte se aproxima se coloca num tonel com água quente para aliviar a dor da pedra, bebe vinho e pede aos amigos que se mantenham fiéis à filosofia; também é curioso que Prometeu Acorrentado a uma rocha, antes de ser lançado no Hades (inferno grego), peça aos amigos que escutem suas revelações do futuro e se mantenham fiéis à sua amizade guardando segredo das mesmas. Ainda mais curioso é que Nietzsche tenha sido cuidado/acompanhado por sua irmã até a chegada de sua morte e que esta tenha tomado para si a responsabilidade pela edição de suas obras. Sintomático também que Marx tenha tido uma cerimônia fúnebre na qual os amigos enalteceram e prometeram fidelidade ao seu pensamento e ainda fixaram a imagem de Marx numa estátua de pedra, rocha ou metal junto a seu túmulo.


O que percebemos é que no determinismo de Nietzsche não há nada por detrás da aparência, ou seja, o que há é a própria aparência, é apenas a própria objetividade, logo, não existe um sujeito por detrás da objetividade aparente do sujeito, de modo que o sujeito é sua própria objetividade aparente, portanto, para Nietzsche, o senhor é força objetiva aparente e o escravo é fraqueza objetiva aparente, logo, o que percebemos é que no determinismo de Nietzsche não existe subjetividade, melhor, a subjetividade que existe é a da força objetiva e a da fraqueza objetiva. Nesse sentido, o determinismo de Nietzsche é um determinismo objetivo da física e da biologia, de modo que, quando se refere à subjetividade é ao excesso objetivo de força física e biológica do senhor e também é à carência objetiva de força física e biológica do escravo, logo, a subjetividade é o excesso objetivamente aparente no senhor e a subjetividade é a carência objetivamente aparente no escravo e disso resulta que apenas o senhor possui subjetividade e que o escravo apenas é despossuído de subjetividade.


Ainda que Nietzsche permaneça com seu determinismo objetivo ele admite que vive num mundo no qual o excesso de força objetiva se encontra na condição de prisioneiro da carência de força objetiva, o senhor se encontra na condição de escravo do escravo, porque nesse mundo já aconteceu e foi vitoriosa a revolta dos escravos na moral, portanto, aí vigora a inversão ou a subversão dos valores. Ao admitir isso ele também admite, como vimos acima, Epicuro e passa a apostar no troco que poderá dar postumamente quando sua obra vier a se efetivar como a transvaloração dos valores, de modo que o excesso de força objetiva deixe de ser escravo e se torne livre e senhor outra vez. Nietzsche admite que seu projeto tem as mesmas características daqueles que fizeram e foram vitoriosos com a revolta dos escravos na moral, porque, para ele, agora, são os senhores, escravizados pelos revoltosos na moral que subverteram todos os valores, que precisam se libertar organizando uma luta de transvalorização dos valores que reabilite os senhores na moral. Permanece tudo igual e contrário, quer dizer, permanece tudo no âmbito do determinismo e/ou da ação e reação.


O que ocorre na dramaturgia do acaso? O principal acontecimento é a constituição do sujeito ou da subjetividade, a constituição da essência subjetiva da força de cada um e esta é a condição para que venha a acontecer a constituição do fenômeno objetivo da força de cada um como resultante do encontro da essência subjetiva da força de um com a essência subjetiva da força de um outro. A objetividade é o fenômeno da aparência da força que só ocorre depois do vir a ser subjetividade da essência abstrata, escondida, invisível da força.
                                                      

PROMETEU ERA UM PÓSTUMO?!


Sim ambos são atomistas, mas em momentos e terrenos históricos inteiramente diversos. Leucipo teria sido o mestre e antecessor de Demócrito e a teoria atomista teria surgido da crítica ao ser metafísico de Parmênides ("o ser é e não pode não ser") que nega o movimento e o vir a ser, logo, considera todo o empírico e sensível como ilusão. O ser que é e não pode não ser se o compararmos a algo empírico e sensível terá de ser, no máximo, a uma pedra, uma rocha, um metal mas sem as interferências do tempo e das ocorrências meteorológicas que desgastam e o fazem não ser, não dá para comparar a algo congelado, exceto no caso de algo eternamente congelado, já que qualquer derretimento por mínimo que seja o faz não ser. Pois é, Leucipo criticando este ser que é e não pode não ser por só ser possível no pensamento ou imaginação, mais ainda, não no pensamento e na imaginação físicos e sensíveis, porque ainda se movem, e sim num pensamento e imaginação metafísicos e insensíveis (vazio?!). Leucipo, olhando para a esta contradição do ser metafísico e insensível com a realidade física e sensível e percebendo que o ser metafísico e insensível corresponderia física e sensivelmente ao vazio, mas, assim, contraditoriamente, o ser metafísico seria como ser físico correspondente ao ser que não é e pode não ser, ou seja, Leucipo não conseguia encontrar em parte alguma da filosofia da Natureza - e esta era a filosofia de sua época, quer dizer, a filosofia anterior aos chamados socráticos e, por isso, chamada também de pré-socrática - lugar para o ser metafísico de Parmênides, mas, ao mesmo tempo, ele achava lugar para pensar física e imaginativamente na pluralidade de mudanças mínimas como persistências de seres mínimos e na imutabilidade do vazio como não ser máximo no qual se encontravam os seres mínimos e estes podiam ora se dissociar uns dos outros se espalhando no vazio, ora se juntar uns aos outros configurando mundos - dissociação e associação será algo retomado, por exemplo, por David Hume; também Freud fará uso disso e ainda de outro par "deslocamento e condensação", já Kant irá preferir usar o espaço e o tempo como formas a priori da percepção sensível -, assim, a grosso modo, ele criou os átomos/mínimos seres e o vazio/máximo não ser e Demócrito é seu discípulo. É uma muito curiosa coincidência que o atomismo de Leucipo tenha nascido da crítica à metafísica de Parmênides e que o chamado criticismo ou idealismo de Kant tenha igualmente surgido duma crítica (leitura de David Hume) que o fez despertar do sono metafísico.


Demócrito, que se tornou muito mais conhecido do que Leucipo, a ponto de suspeitarem que Leucipo nunca existiu e foi um personagem inventado por Demócrito, é considerado o grande atomista da época pré-socrática ou de vigência da filosofia da Natureza. Não sei dizer o que você perguntou, ou seja, se Demócrito alguma vez usou o termo ataraxia com outro significado, mas sei dizer que a concepção de Demócrito segundo a qual tudo se movimenta e ocorre devido à necessidade, melhor, de maneira necessária, ou seja, o movimento original é o de impulsão da matéria, de movimento mesmo ou saída do inerte, de antipatia; noutras palavras, é uma força que necessariamente vinda de fora impulsiona, movimenta, antipatiza com a matéria inerte/inercial. E isto é reproduzido na vida de Demócrito como inquietude, curiosidade, sede de saber que o faz se mover incansavelmente por toda parte do mundo e sempre entendendo que tudo ocorre determinado pela necessidade, quer dizer, pela inquietude, curiosidade etc., enfim, devido a um empurrão que nos coloca em movimento - Newton pensava que nada nos tira do nosso movimento inercial, exceto uma força externa que dê empurrão/impulsão na matéria -. Desse ponto de vista, Marx vê Demócrito como aquele que se encontra dentro do transtorno, da inquietude, da perturbação, da angústia, da ansiedade, da dor, do desprazer. Porque? Porque a necessidade ou a impulsão da matéria é sempre consequência de um movimento externo ou que nos assujeita numa cadeia ou encadeamento de condições etc. Mas, é bom ressaltar que Demócrito permanece um filósofo da Natureza e não como a partir de Sócrates da Ética, da Sociedade, da Política etc.


Epicuro, com certeza, não quer transtorno, inquietude, perturbação, angústia, ansiedade, dor, desprazer e, por isso mesmo, toda sua filosofia é feita tendo por finalidade/objetivo a ataraxia da consciência humana de si e não o conhecimento da natureza em si e para si, ou seja, o atomismo de Epicuro já se encontra num outro contexto e não é mais propriamente uma filosofia da Natureza e sim uma filosofia da consciência humana de si; noutras palavras, se o atomismo de Demócrito está conectado a um conhecimento da física natural e independente do ser humano, já o atomismo de Epicuro está muito mais conectado a um conhecimento da física natural que conduz ao conhecimento da natureza psíquica do ser humano, ou seja, no contexto epicurista o atomismo se tornou uma via de acesso que oriunda da physis visa chegar e chega efetivamente à psyché. - Eu agradeço a você, meu interlocutor escondido, porque agora eu estou sendo mais claro para mim mesmo, ainda que já soubesse disso, em geral não sei usar a meu favor. - Epicuro, além de estar situado num período pós-socrático também está situado num período pós-aristotélico, quer dizer, posterior ao experimento da filosofia no papel de imperatriz do mundo - Alexandre, o imperador do mundo, era um discípulo respeitoso e obediente de Aristóteles e mandava para ele tudo que quisesse para fazer seus estudos (inclusive pedras, para além de plantas, livros, escritos, mapas, animais etc.) - e o seu projeto não é mais o poder, melhor, o seu projeto de poder não é mais o poder pelo poder ou a elevação da filosofia à posição de imperatriz do mundo, ou seja, o seu projeto de poder é satisfazer efetivamente a consciência humana de si com um prazer duradouro, com a realização efetiva ou o poder efetivo duma vida feliz. Por isso, o seu projeto de poder se desloca (olha uma palavra que em Freud é conceito) do poder político do Estado para o modo de viver em comunidade e, em seguida, em sociedade etc., seu atomismo como via de conhecimento e satisfação da psyché pode ser visto tanto como o que vem sendo chamado na atualidade de micropolítica quanto também o que vem sendo chamado de movimento socialista, comunista, melhor, vinha sendo até que o projeto anterior de conquista do poder pelo poder e, consequentemente, com perda do conhecimento e satisfação da consciência humana de si, se apoderou do socialismo, da socialdemocracia, do comunismo etc.


Em todo caso, a dedicação de Epicuro à filosofia, quer dizer, a este saber que visa a ataraxia da consciência humana de si, a fruição estável e duradoura do prazer e da vida feliz, ou seja, esta dedicação a um saber que se fixa no conhecimento de si mesmo e do que satisfaz a si mesmo e supera e suprime a angústia, a ansiedade, a perturbação, a dor, o desprazer, a inquietude, o transtorno e, por isso mesmo, é a prática de um saber que se desenvolve de forma autodidata "etc. e tal", enfim, é um saber que "necessita" considerar que tudo é determinado ao acaso/pelo acaso porque assim se torna possível a ataraxia, a fruição estável e duradoura do prazer e da vida feliz, já que se torna viável um movimento interno/próprio/independente da necessidade e que é o tal do desvio da queda em linha reta, quer dizer, é um movimento do próprio sujeito, um movimento da própria subjetividade, um movimento da psyché, um movimento aleatório, de cada sujeito, um movimento autodidata, consequentemente, se tudo na natureza vem a ser por si mesmo, então, vem a ser por acaso, livre e felizmente e não por necessidade, prisioneira e condenadamente. É tudo muito simplório?! Por isso mesmo difícil, mas é tudo baseado e fundamentado tal qual expresso por Marx nessa passagem do fim da tese: "(...) Aquilo de que necessita a nossa vida, não é da ideologia nem de hipóteses vãs, mas do que pode nos fazer viver sem problemas. (...)". Então, Epicuro não se move pelo mundo porque o movimento ao qual ele se dedica é o do repouso, da satisfação e do prazer duradouros, é o movimento autodidata e/ou que gira em torno de si/revolucionário/desvio da queda em linha reta ou movimento em linha curva e, a partir do qual, vem a constituir os encontros e relações com os demais. Acho que Epicuro e o epicurismo ficaram um pouco mais claros. 


Mas, o que escrevi foi a respeito de Nietzsche lendo Demócrito e Epicuro, melhor, foi a respeito da minha leitura de como Nietzsche lê Demócrito e Epicuro. Parto do princípio que Nietzsche é um adepto de Demócrito porque também parto dum estranhamento muito grande a respeito de Nietzsche e que é não entender porque um jovem muito bem-sucedido na universidade se alista voluntariamente nos exércitos de Bismarck e participa da Guerra Franco-Prussiana, mesmo que tenha ido na condição de enfermeiro. Dizem que nessa ocasião teve uma queda dum cavalo e aí adoeceu, também que foi aí que contraiu sífilis e adoeceu, também que foi aí que teve os traumas de guerra e adoeceu. Eu levanto uma hipótese para ele ter ido para a guerra e durante a mesma ter escrito seu livro "O nascimento/a origem da tragédia no espírito da música" que é a seguinte: ele como estudioso dos gregos e da tragédia grega sabia que todos os três grandes trágicos (Ésquilo: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89squilo,  Sófocles: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3focles  e Eurípedes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Eur%C3%ADpides) antes de escreverem suas tragédias participaram das diferentes guerras e batalhas ocorridas na Grécia e na condição de estrategos (https://pt.wikipedia.org/wiki/Estratego foi isso que li num livro dum italiano na biblioteca da PUC, ainda que na Wikipédia apenas Sófocles seja mencionado como tendo sido estratego), portanto, suponho que ele procurou usar a oportunidade de participar da guerra para poder escrever o mais vívida e fielmente a sua obra a respeito da tragédia. Nietzsche foi à guerra de Bismarck para ter vivência material para escrever sua obra trágica. - estou voltando do almoço e acabo de ler Alas https://uncafeconolivia.wordpress.com/2016/03/26/alas/, que placer! - De todo modo, por trás ou diante, melhor, dentro e no cerne da tragédia está a guerra (e, aliás, Demócrito usa a imagem da guerra dos átomos ou da guerra de todos contra todos, usada na modernidade por Thomas Hobbes e outros, tanto no movimento da queda em linha reta quanto no movimento da repulsão em linha reta entre os átomos, enquanto que Epicuro, caso use a imagem da guerra, só o faz no movimento de repulsão dos átomos entre si). A acusação do trágico Nietzsche ao farsante Epicuro que defende algo escondido por detrás da aparência, quer dizer que defende o sujeito escondido sob a objetividade é uma crítica que pode ser compreendida de outro modo, à maneira de Marx que afirma que a história só se repete como farsa, logo, o atomismo de Epicuro só repete o de Demócrito como farsa. Já a aprovação e identificação de Nietzsche da sua filosofia em vida com o caráter escondido da filosofia durante a vida de Epicuro revela a sua esperança de prever para a sua filosofia, depois de sua morte, um sucesso semelhante ao caráter da filosofia de Epicuro que ficou à mostra depois de sua morte.


Não sei se consegui esclarecer o assunto que escrevi no SABER VIVER já indagando se Prometeu era um póstumo. Eu acho que quis chamar a atenção para uma confusão que eu tendo a fazer: Eu costumo considerar que Nietzsche usa livremente a imaginação, melhor, se for observar, não é tão livremente assim, então, recomeçando, eu costumo considerar que Nietzsche usa de forma preponderante a imaginação, logo, ele é tal qual Epicuro e, mais ainda, tal qual Prometeu que, apesar de aprisionado e interdito, discorre sobre a história do passado e prevê a história do futuro sem nenhum medo da miséria que lhe é imposta pelos que dominam a história do presente. Por mais que eu faça esta identificação, tenho de admitir que ela é confusa, porque por todo lado Nietzsche usa o determinismo da necessidade e/ou o destino inexorável de Demócrito e Édipo, mas não o determinismo do acaso e/ou o domar ou se assenhorear flexível e livremente do destino, noutras palavras, criar livremente ou ao acaso o reino da liberdade. Ora, quando Nietzsche se identifica com Epicuro, ainda assim, ele não adota o acaso senão sob a forma do destino inexorável; além disso, não é verdade que em vida Epicuro tenha vivido escondido e que sua filosofia só veio a ser postumamente, ao contrário, parece que, na história do epicurismo, só Epicuro mesmo conseguiu fazer em vida de forma completa o reino da liberdade que anunciou nos limites da singularidade abstrata, quer dizer, da comunidade dos amigos e dos prazeres, de modo que ela nunca chegou a abranger a comunidade de todos os humanos, quer dizer, a sintetizar a pluralidade concreta das singularidades abstratas numa mesma unidade da diversidade, ou seja, numa universalidade. Aqui, basta perceber que Epicuro não foi exatamente um póstumo como afirma Nietzsche. Também não parece correto considerar que Epicuro tenha vivenciado uma condição de prisioneiro e interdito similar àquela vivenciada por Nietzsche. Porque? Porque na sua filosofia, o pique no lugar, o girar em torno de si, girar em linha curva, a prática revolucionária, o viver escondido etc. são formas de expressar o seu princípio filosófico, ou seja, o sujeito ou a subjetividade que, como essência, encontra-se sob o fenômeno objetivo, o qual, por sua vez, só vem à existência depois que a essência do sujeito surge e/ou se afirma ao acaso/livremente. Nem Epicuro nem Prometeu estão prisioneiros nem interditos, apesar de objetivamente poderem ser percebidos como prisioneiros e interditos, porque antes de se constituírem em fenômenos objetivos eles se constituíram e se constituem em essências subjetivas, de modo que, para eles, os fenômenos objetivos não se constituem em obstáculos, porque são apenas possibilidades reais rigorosamente delimitadas pelo entendimento das necessidades relativas, enquanto que eles são possibilidades abstratas livremente ilimitadas pela imaginação e que, por isso mesmo, podem vir a domar as necessidades relativas, quer dizer, se libertar das pretendidas prisões e interdições impostas pelo entendimento das necessidades relativas. Mais ainda, tanto o que foi chamado de micropolítica como de Rádice (cadê o Ralph?) e também de velha toupeira por Hegel, Marx e Engels só adquire compreensão clara como atividade do sujeito, atividade subjetiva igual e própria de qualquer força humana sem que se confunda com a atividade objetiva desigual e alienada das forças humanas. Noutras palavras, no momento do clinâmen todos os sujeitos são igualmente sujeitos e/ou essências subjetivas iguais e eles só se diferenciam no momento da repulsão onde são objetivamente desigualmente objetos e/ou fenômenos objetivos. Epicuro dizia que todos caem na linha reta em igual velocidade independentemente da diferença de peso e que, do mesmo modo, se desviam ao acaso ou num tempo e lugar a seu livre arbítrio e/ou casual da queda em linha reta em igual velocidade e independentemente do peso, mas, em resultado desse desvio vem ao encontro uns dos outros e aí suas diferenças de peso se manifestam como diferenças de peso e constituem um mundo de objetivas posições relativas de acordo com as diferenças de gravitação que estabeleceram entre si.


Temo ter complicado ainda mais o que parecia complicado. Meu objetivo era chamar a atenção para uma leitura que fizesse luz na minha confusão a respeito da imaginação usada por Epicuro e a imaginação usada por Nietzsche de modo que ficasse claro que a imaginação prometeica é a usada por Epicuro e não a usada por Nietzsche, porque, afinal de contas, este reivindica a necessidade como destino inexorável e isto, pelo que se percebe, mesmo quando diz usar o acaso. Na verdade, o que eu quero não é nem sanar a confusão do determinismo do acaso com o determinismo da necessidade usado por Nietzsche, mas sim trazer à tona e compreender melhor o determinismo do acaso usado por Epicuro. Alas da Olívia é uma luz forte nesse nevoeiro (https://uncafeconolivia.wordpress.com/2016/03/26/alas/ ).
                                                                                                  

DESCARTÁVEL É TUDO, ESTE É O SEGREDO DUMA FILOSOFIA ASSISTEMÁTICA


www.consciencia.org
Vida (biografia) e obra (pensamento) do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), com análise de suas frases e entrada para muitos outros recursos.


Lendo isto algumas informações foram corrigidas, outras se perderam, mas, o principal é que o asceticismo criticado por Nietzsche está presente em Epicuro bem como o apolíneo etc. etc., logo, eu e todos meus míseros esforços somos objetos da crítica de Nietzsche e somos portadores do niilismo. Logo, tudo que escrevo pode, merece e deve ser descartado, jogado fora, ainda que eu não o faça por ser muito fraco, por ser um escravo completo.


Se for para a universidade serei obrigado a estudar tudo isso e a me criticar ainda mais, logo serei obrigado a levar o niilismo até à minha execução, até à morte do homem, de modo que o escravo acadêmico esteja pronto para se entregar ao domínio do senhor, à vida do super-homem. Ora, este é uma finalidade criativa? Uma finalidade criadora de minha parte? Matar o humano em mim para que venha a habitar e viver em mim o super-homem? Mas, que se deve dizer desses super-homens formados em série pela universidade? São criaturas ou são criadores? Eu deveria ser capaz de responder esta pergunta: mas tem um objetivo este estudo da filosofia?


COMPLETAMENTE PERDIDO


Estou completamente perdido. Não se assuste. Estou completamente perdido já faz muito tempo. Na época, que compraram um apartamento para eu morar, costumava repetir para meus pais "vocês estão me matando!", assim, eu que já estava quase completamente perdido me tornei completamente perdido, morto. O cara que você conhece desde então era primeiro quase morto e, em seguida, morto. Eu fico me perguntando como foi e como é, para as pessoas, conhecer e se relacionar com um morto? Suponho que, na verdade, seja até mesmo fácil, por ser um não se relacionar com um vivo, logo, por ser um se relacionar tanto com a aparência, quer dizer, com a exterioridade ou com os diferentes sinais (apelidos, características, modos de ser etc.) atribuídos àquele morto, àquela casca vazia que, apesar de vazia e sem vida, ainda possui a aparência de um indivíduo tal qual uma estátua, uma pintura, um retrato, um filme ou esta realidade fantástica de um morto fazendo de conta que é um vivo. As pessoas percebiam que podiam usar o morto como figuração e também como vazio no qual podiam armazenar suas impressões e fruir de outras impressões já armazenadas nesse vazio, mas limitavam suas relações com o morto à sua participação como figurante e como armazém de guarda e retirada de impressões porque suas relações com o morto não eram como as relações com os vivos nas quais participam como sujeitos que, juntos, criam formas de expressão de seus conteúdos plenos, criam o drama, a trama etc.


Porque a fixação nessa tese de Marx? Agora estou me referindo a um dos aspectos dessa fixação, talvez o mais importante, qual? A tese propõe que "o espírito teórico, que se tornou livre em si mesmo, se transforme em energia prática e saia como vontade do reino das sombras do Amênti (mundo dos mortos no Antigo Egito) e se volte contra a realidade que existe sem ele", ou seja, é a partir do morto que se constitui a vontade que se afirma no vivo que existe sem o morto. Claro que o morto, antes de tudo, se imortalizou dentro de si mesmo, caso contrário, não teria como sentir-se livre em si mesmo, ou seja, não teria como sair da condição de morto preso em si mesmo, quer dizer, da condição de apenas morrer em si mesmo para a de causar a mortalidade livre em si mesmo, quer dizer, exigindo sair como mortalidade, melhor, vontade voltada contra o vivo. E, como o vivo é mortal essa mortalidade que se lança sobre o vivo e o consome é vital, vitalidade, vida que a mortalidade adquire no mundo vivo. Esta é a tese. Esta é a crueldade.


Estou completamente perdido, completamente morto precisamente porque o outro aspecto de permanecer morto é a recusa à crueldade, a causar a mortalidade dos vivos, a recusa a ser "chama devoradora voltada para fora", logo, a "chama devoradora voltada para dentro" é própria do "espírito teórico que continua preso em si mesmo" e consumindo a si mesmo e também o que o mundo guarda como morto nesse vazio, nesse mundo morto, aliás, o que o mundo vivo tanto guarda quanto retira de morto desse mundo morto. Esta recusa à crueldade acaba sendo uma aceitação de suportar e voltar a crueldade contra eu mesmo.


Estou completamente perdido, completamente morto.


Crueldade do morto contra a vida em si e crueldade do morto contra a vida fora de si. A crueldade do morto contra a vida em si só aceita/afirma e interpreta a vida do mundo fora de si. A crueldade do morto contra a vida fora de si só recusa/nega e muda a vida do mundo fora de si. A crueldade do morto contra a vida em si se deprime e deixa encher com a vida do mundo fora de si. A crueldade do morto contra a vida fora de si se anima e se lança a esvair a vida do mundo fora de si. O morto contra a vida em si sucumbe (se mata e morre) para que advenha a vida do mundo fora de si. O morto contra a vida fora de si ressuscita para preencher com sua vida o mundo que mata e morre fora de si.


Estou completamente perdido, completamente morto, mas também completamente atraído e acorrentado à esperança de ressuscitar prometida pela tese de Marx, ainda que permaneça me recusando a matar a vida do mundo fora de mim e, desse modo, fiel à proposta de Nietzsche de que o humano sucumba (se mate e morra) dentro de mim para que venha a ser a vida do mundo super-humano fora de mim.


Estou completamente perdido, completamente morto, em completa autocontradição, mas se, por acaso, me liberto de ficar indo contra a vida em mim e vou contra a vida fora de mim, então me liberto da autocontradição, afirmo minha unidade ou singularidade/minha vida e entro em contradição com a vida fora de mim para afirmar minha vida fora de mim.


Estou completamente perdido, completamente morto, em completa autocontradição, de modo que, necessariamente, me determino a ficar indo contra a vida em mim e, por isso mesmo, sou a favor que a vida fora de mim também contradiga a vida em mim, então me aprisiono na autocontradição, afirmo minha dualidade ou universalidade/vida fora de mim e entro em contradição com a vida dentro de mim para afirmar a vida fora de mim.


O pior de tudo para mim é que queria algo diferente disso. Queria sair da condição de morto, logo, como vontade que se volta para fora de si, mas não para promover a morte do mundo fora de si e sim para adquirir vida em aliança/coincidência vital com outros que saem da morte dentro de si para encontrar a vida fora de si. Eu assim resolveria o problema de estar morto dentro de mim sem precisar matar a vida fora de mim para poder estar livre e vivo dentro de mim e ainda livre e vivo no mundo fora de mim.


Porque não consigo? Porque estou completamente perdido, porque não me encontro livre dentro de mim e, portanto, com vontade viva voltada para fora, para o encontro e construção da liberdade viva fora de mim.



Aqui e agora, nesses últimos parágrafos, levantei ao acaso a determinação de outra dramaturgia, nem marxiana nem nietzschiana. Será mesmo?! Não é ilusão?! E se for ilusão, é ilusão de qual dessas dramaturgias, a marxiana ou a nietzschiana?!


PLANEJAMENTO INICIAL: UM MESMO DIFERENTE?!


“ Se constitui uma lei psicológica que o espírito teórico, que se tornou livre em si mesmo, se transforme em energia prática e saia como vontade do reino das sombras do Amênti (mundo dos mortos no Antigo Egito) e se volte contra a realidade mundana que existe sem ele. (Mas é importante, do ponto de vista filosófico, especificar mais os lados desta relação, porque, a partir do modo determinado desta conversão, a gente pode refletir a determinidade imanente e o caráter histórico e mundial de uma filosofia. Nós vemos aqui, por assim dizer, seu curriculum vitae reduzido ao essencial, trazido até sua extremidade subjetiva.) Mas a prática da filosofia é ela mesma teórica. É a crítica que mensura da existência singular até à essência, da realidade efetiva particular até à ideia. Mas esta realização imediata da filosofia é, segundo sua essência mais íntima, afligida por contradições e esta essência que é sua toma forma no fenômeno e lhe imprime seu selo. ” [tradução extraída de Karl Marx, DIFFÉRENCE DE LA PHILOSOPHIE DE LA NATURE CHEZ DÉMOCRITE ET ÉPICURE, traduction, introduction et notes par Jacques PONNIER, ÉDITIONS DUCROS, 1970, Bordeaux, France, p. 235]



Estou com meu espírito acorrentado à tese de Marx sobre os atomistas gregos porque se trata, antes de tudo, duma tese sobre os antecedentes da vida e antecedentes dessa vida que conhecemos, ou seja, da vida que é mortal. E é aí que tomamos um susto porque a vida mortal é percebida como sendo originada da morte imortal da seguinte forma: a morte é imortal, logo, a morte não morre, quer dizer, ela própria não morre, mas ela só é morte porque é morte de algo que não é ela própria, ou seja, ela é morte da vida, morte de algo que vive, logo, o algo que vive é também algo que morre, a vida mortal, portanto, sendo a morte imortal ela está continuamente promovendo e produzindo a mortalidade e a mortalidade só existe para a vida e não para a morte que é imortal, por isso que a vida mortal pode ser vista como partícula, quantum, átomo, fragmento etc. que escapa, foge, declina, desvia etc. da morte imortal. Por isso também que nos deparamos com algo muito pouco habitual que é a descrição de Marx da passagem da realidade teórica da filosofia para a realidade prática do mundo como sendo a passagem do mundo dos mortos para o mundo dos vivos, de modo que o morto sai do mundo dos mortos como vontade prática voltada contra o mundo dos vivos e, assim, sua vontade prática com sede de vida traz a mortalidade para o mundo dos vivos e a vitalidade para sua condição de morto, ou seja, seu espírito livre em si mesmo, quer dizer, livre no mundo dos mortos, significa dizer que seu espírito é livre em si mesmo por passar da condição de morto para a de mortal, porque sai liberto da imortalidade com a mortalidade em busca da vida, da vitalidade. Até parece um vampiro, um morto que vive sugando o sangue dos vivos. Crueldade é o que parece existir aí nessa assustadora descrição desse misterioso processo da vida mortal que é o chamado de cadeia alimentar, de modo que a vida vive da mortalidade. Aqui isso aparece invertido porque é a mortalidade que vem a viver trazendo a mortalidade e, assim, cultivando, desenvolvendo e aumentando a vida. Mas, certamente, essa descrição é a de uma guerra e também de uma tragédia posto que a morte imortal está na base da vida mortal que dela escapa como vir a ser e eterno retorno, como vir a ser em eterno retorno. Também é a descrição de uma travessia de um fogo que, aceso, vai consumindo a ponte que o leva do mundo dos mortos até o mundo dos vivos para então se apagar no mundo dos mortos, travessia e ponte que Nietzsche atribuiu ao homem que sai do animal para chegar ao super-homem e sucumbir voltando ao eterno retorno de vir a ser travessia e ponte. É isso que me leva a trazer aqui uma referência à “Arte da Guerra”, de Sun Tzu.


“A Arte da Guerra”, de Sun Tzu (ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Arte_da_Guerra). “A obra é composta por 13 capítulos:
  1. Planejamento Inicial (始計, pinyin: Shǐjì)
  2. Guerreando (作戰, pinyin: Zuòzhàn)
  3. Estratégia ofensiva (謀攻, pinyin: Móugōng)
  4. Disposições (軍行, pinyin: Jūnxíng)
  5. Energia (兵勢, pinyin: Bīngshì)
  6. Fraquezas e forças (虛實, pinyin: Xūshí)
  7. Manobras (軍爭, pinyin: Jūnzhēng)
  8. As nove variáveis (九變, pinyin: Jiǔbiàn)
  9. Movimentações (行軍, pinyin: Xíngjūn)
  10. Terreno (地形, pinyin: Dìxíng)
  11. As nove variáveis de terreno (九地, pinyin: Jiǔdì)
  12. Ataques com o emprego de fogo (火攻, pinyin: Huǒgōng)
  13. Utilização de agentes secretos (用間, pinyin: Yòngjiàn)”


O primeiro capítulo é muito similar a essa passagem que coloca a filosofia no mundo do espírito e permanecendo no mundo do espírito como teoria até se sentir e perceber livre em si mesmo como teoria, quer dizer, se sentir e perceber disposto para a prática. O primeiro capítulo, na citação chamado de planejamento inicial, pode ser visto como a instituição do mundo do espírito e/ou do cálculo das possibilidades abstratas, quer dizer, pode ser visto como a instituição do Estado-Maior e é daí que, depois de se sentir e se perceber a melhor das possibilidades abstratas, sai como estratégia a vontade prática voltada contra o mundo que existe sem seu espírito.


Quando se sente e percebe livre em si mesmo o espírito “se transforma em energia prática, sai como vontade do reino das sombras do mundo dos mortos e se volta contra a realidade mundana que existe sem ele”, mas “o espírito teórico que se tornou livre em si mesmo” pode ser, diria Nietzsche, o do senhor ou o do escravo, pode ser apolíneo ou dionisíaco. Já Marx, considerando os polos dessa conversão, a filosofia e o mundo, a teoria e prática, diz que existe um percurso da conversão da filosofia teórica em prática mundana e que este percurso começa na conversão inicial do espírito teórico em espírito livre em si mesmo e, por isso, é aí que se pode especificar o “modo determinado desta conversão” através do qual “se pode refletir a determinidade imanente e o caráter histórico e mundial de uma filosofia”, ou seja, o caminho percorrido pela filosofia teórica convertida em prática mundana pode ser melhor medido pelo quantum da determinidade imanente do espírito teórico se converteu em espírito livre, quer dizer, pelo quão intensa foi a conversão do espírito teórico em espírito livre para que se possa desde aí avaliar a extensão do caráter histórico e mundial que sua filosofia percorrerá na conversão em realidade prática. Significa que o desenvolvimento da realização prática da filosofia depende do quão livre em si mesmo o espírito teórico se tornou antes de se transformar em energia prática que sai do mundo dos mortos voltada contra a realidade mundana. É aí que a análise de Marx sobre os atomistas gregos se fixa na diferença entre o espírito teórico que se torna livre em si mesmo por determinismo ou necessidade e o espírito teórico que se torna livre em si mesmo por criatividade ou acaso, ou seja, se a determinidade imanente do espírito teórico se tornou livre por determinismo ou necessidade, então esta liberdade é determinada/instintiva ou necessitada, quer dizer, limitada ou carente, mas se foi por criatividade ou acaso, então esta liberdade é inventada/desejada ou prazerosa, quer dizer, ilimitada ou plena; portanto, a conversão, do espírito teórico em espírito livre em si mesmo de forma incompleta, também se transforma em energia prática voltada contra a realidade mundana de forma incompleta, enquanto que, é claro, a conversão, do espírito teórico em espírito livre em si mesmo de forma completa, também se transforma em energia prática voltada contra a realidade mundana de forma completa, ou seja, na conversão incompleta a teoria filosófica permanece existindo de um lado e o mundo do outro, já na conversão completa a teoria filosófica deixa de existir de um lado e o mundo deixa de existir do outro lado e ambos coincidem em existir dum mesmo lado como prática da liberdade, prática da criatividade, prática revolucionária.



Isso bem poderia ser parte de um livro, mas eu também bem que poderia ser um outro. Porém, tudo que verdadeiramente me interessa é que eu e o outro que eu poderia ser coincidamos em ser um mesmo diferente e, por isso, isso é parte disso mesmo, desses escritos para mim e para alguém.




quinta-feira, 10 de março de 2016



A notícia mais aterrorizante é a dos bombardeios dos caças franceses da cidade de Raqqa, capital do Islamic State of  Iraq and Syria/Estado Islâmico do Iraque e da Síria.


- Porque? Eles não praticaram aquela barbárie em Paris? Não mereciam?


Sim, os terroristas merecem ser atacados, mas não as escolas, as clínicas, os hospitais e as casas da população civil. Ou seja, os franceses precisam bombardear os terroristas e não fazer bombardeios terroristas. E o que é pior? Ver que a mesma situação de falta de popularidade do Bush antes do 11 de setembro de 2001 se repete com Hollande antes do 13 de novembro de 2015. A mesma solução de Bush de suspensão dos direitos e garantias individuais, quer dizer, do Estado de Direito Democrático é proposta agora por Hollande para a França, ou seja, um tipo de regime que suspende e se afasta da Democracia e que se aproxima do Regime de Exceção e baixa Decretos Fundamentalistas como os terroristas da Al Qaeda e do Estado Islâmico.




Objeto real escondido/Acaso e destino, atores e "reatores"

                                                                                                                         
                                                                                                                                             10/03/2016

O que Escobar nos faz pensar?! Na dramaturgia e, com ela, na condição de ator, muito mais do que na de autor. Por meio da dramaturgia o autor é o acaso, quer dizer, é uma determinação resultante da atividade ou atuação das próprias forças ou dos próprios atores presentes no drama, melhor, na dramaturgia. Uma dramaturgia na qual o autor é o determinismo, quer dizer, é uma determinação da atividade ou da atuação do drama independente da presença dos próprios atores ou de suas próprias forças.


Quando o autor é o acaso existe espaço-tempo para a co-incidência da mudança das circunstâncias com a mudança dos próprios atores ou com a autotransformação humana, quer dizer, existe efetivamente a prática revolucionária. Quando o autor é o determinismo não há mais coincidência do mudar as circunstâncias com o mudar a si mesmo ou autotransformar-se porque tanto as circunstâncias quanto a educação já estão (pré)determinadas, quer dizer, existem efetivamente como práticas reacionárias, melhor, como meras reações ou meras ações de forças iguais e em sentido contrário à força determinante do drama que é o determinismo.


Quando o autor é o acaso as forças, os atores giram em torno de si mesmos ou são revolucionários, mas quando o autor é o determinismo, então, as forças, os atores são meros efeitos ou reações da ação determinante do drama, giram em torno da determinação do drama fora de si. Então, quando o autor é o acaso a dramaturgia resulta da atividade dos atores e dos personagens, mas quando o autor é o determinismo a atividade dos atores e dos personagens resulta da atividade da dramaturgia. Quando o autor da dramaturgia é o acaso a história está aberta à criação e à liberdade dos atores e dos personagens. Quando o autor da dramaturgia é o determinismo a história está fechada no mecanicismo e na prisão dos atores e dos personagens.


Um mesmo problema dramático ou uma mesma dramaturgia se desenrola de modo inteiramente diverso quando o autor é o acaso e quando o autor é o determinismo. É isso que se pode verificar nas diferenças entre a tragédia de “Prometeu Acorrentado”, na qual o autor é o acaso, e a tragédia de “Édipo Rei”, na qual o autor é o determinismo. Na primeira, ainda é possível a luta, o “fogo”, o vir a ser da prática revolucionária que livremente determina e constrói a história, já na segunda, não há luta, não há “fogo”, não há vir a ser que não seja o da prática reacionária aprisionada e estabelecida pelo determinismo da história.


O problema maior da dramaturgia, no modo de produção vigente, é que o autor é o determinismo, ou seja, que o problema dramático está colocado e se desenrolando como “Édipo”, motivo pelo qual se fala do “Complexo de Édipo”. Logo, para que se consiga o que Escobar nos faz pensar, quer dizer, pensar muito mais na condição de ator duma dramaturgia que tem por autor o acaso, fica claro que é preciso colocar e desenrolar o problema dramático como “Prometeu” porque sua atividade é capaz de elaborar e realizar o “acaso” duma saída, prática revolucionária ou “Cura” do “determinismo”, da prática reacionária ou do “Doentio anacronismo” do “Complexo de Édipo”.



O filme da filha do Escobar sobre o pai Escobar é feito de luta da filha por saber da história do pai Escobar e de luta do pai Escobar por saber da filha. Ela quer aquilo que se encontra na memória do pai e o pai não quer ser reduzido à memória na memória da filha, mas quer sim, de algum modo, ser presente com a filha presente, ser ator com a filha atriz. E ele parece ter conseguido que o desejo de documentar a memória ou a ficção se tenha tornado também desejo de documentar o presente ou a “realidade” por meio dos manifestos “faz de conta” e roteiros que propõe e dos “faz de conta” dela de que aceitou e que ainda vai filmar, quando já está filmando. Certamente devem existir filmagens com os “roteiros” dele que não foram usadas na edição do filme. Certamente ambos ganharam com o filme a atividade de ator, de atriz ou de autodidatas, quer dizer, a dramaturgia do filme acabou tendo por autor o “acaso” e também o maior presente que o pai ausente Escobar pôde dar para a filha que foi o reconhecimento da atividade autodidata da filha na luta para compreender a entrega do pai Escobar à atividade autodidata durante toda sua vida. História aberta em livre realização.




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Objeto real escondido, Ser sensível aparente, Consciência do conhecimento da verdade aparente e da ignorância da verdade real.


Objeto real abstrato. Ser sensível real. Consciência do conhecimento da verdade real e do conhecimento da verdade abstrata.